Chegado ao Rio de Janeiro, ganho em oportunidade anterior o prazer do imediatamente visível na paisagem mais escancarada, seguiu-se, em 1979, em nova ida à ex-capital federal brasileira, a penetração possível no que estava (e continua agora) por trás das areias das praias, no morro que, ao longe, é todo formosura. Quis a favela com lentes de ver ao pé. Já tinha no meu registo a imagem dos ranchitos que bordejam, na sua alvura mentirosa (para turista ver...), a estrada que, na Venezuela, vai do aeroporto à cidade de Caracas.
Tratava-se agora de, olhar virgem perdido, ganhar conhecimentos para além da beira-água ou das brancas casas, também ali, pintadas de disfarces engana-turistas, na Cidade Maravilhosa.
Desenganado, entretanto, quanto à possibilidade de viver por dentro o que os guias turísticos não incluem, procurei na documentação existente algumas das respostas escondidas nos saberes locais. Conversa informal, algures em Copacabana, e a sugestão: "veja se consegue encontrar um livro que circula por aí e que é o diário de uma favelada..."
Vinte valores: aqui o tenho. Logo o consegui. Intitula-se "Quarto de Despejo", numa edição popular (90º milheiro) que a escritora Dinah Silveira de Queiroz considerou "sem samba e sem literatura".
Não fala das favelas do Rio. Fala da favela, "do cerne da desintegração social", na palavra de uma semi-analfabeta, seleccionada, mas não censurada, parece-me. É por isso mesmo que a trago para aqui, para este blogue que pretende, modestamente, dar um contributo, no caso, para fixar o que, com tons e modernas roupagens, vão continuar a ser favelas, ranchitos ou casais ventosos de acesso difícil até não sei quando...
"Aqui nesta favela agente vê coisa de arrepiar os cabelos". In "Quarto de Despejo", que li pela primeira vez no Rio de Janeiro, em Maio de 1979, e de que vou transcrever, a partir de hoje, algumas passagens, para que à NET se acrescente, creio, sem música, a voz homenageada, mas pouco revelada, de Catarina Maria de Jesus, no "Quarto de Despejo", que guardo na minha estante ao lado da "Geografia da Fome", para ser mais fácil localizá-lo.
"Hoje o tal Orlando Lopes veio cobrar a luz. Quer cobrar ferro, 25 cruzeiros. Eu disse-lhe que não passo roupas.
Êle disse-me que sabe que eu tenho ferro. Que vai ligar o fio de chumbo na luz e se eu ligar o ferro a luz queima e êle não liga mais. Disse que ligou a luz para mim e não cobrou deposito.
Mas o deposito já foi abolido desde 1948.
Êle disse que pode cobrar deposito porque a Light deu-lhe plenos poderes. Que êle pode cobrar o que quiser dos favelados."
Tratava-se agora de, olhar virgem perdido, ganhar conhecimentos para além da beira-água ou das brancas casas, também ali, pintadas de disfarces engana-turistas, na Cidade Maravilhosa.
Desenganado, entretanto, quanto à possibilidade de viver por dentro o que os guias turísticos não incluem, procurei na documentação existente algumas das respostas escondidas nos saberes locais. Conversa informal, algures em Copacabana, e a sugestão: "veja se consegue encontrar um livro que circula por aí e que é o diário de uma favelada..."
Vinte valores: aqui o tenho. Logo o consegui. Intitula-se "Quarto de Despejo", numa edição popular (90º milheiro) que a escritora Dinah Silveira de Queiroz considerou "sem samba e sem literatura".
Não fala das favelas do Rio. Fala da favela, "do cerne da desintegração social", na palavra de uma semi-analfabeta, seleccionada, mas não censurada, parece-me. É por isso mesmo que a trago para aqui, para este blogue que pretende, modestamente, dar um contributo, no caso, para fixar o que, com tons e modernas roupagens, vão continuar a ser favelas, ranchitos ou casais ventosos de acesso difícil até não sei quando...
"Aqui nesta favela agente vê coisa de arrepiar os cabelos". In "Quarto de Despejo", que li pela primeira vez no Rio de Janeiro, em Maio de 1979, e de que vou transcrever, a partir de hoje, algumas passagens, para que à NET se acrescente, creio, sem música, a voz homenageada, mas pouco revelada, de Catarina Maria de Jesus, no "Quarto de Despejo", que guardo na minha estante ao lado da "Geografia da Fome", para ser mais fácil localizá-lo.
"Hoje o tal Orlando Lopes veio cobrar a luz. Quer cobrar ferro, 25 cruzeiros. Eu disse-lhe que não passo roupas.
Êle disse-me que sabe que eu tenho ferro. Que vai ligar o fio de chumbo na luz e se eu ligar o ferro a luz queima e êle não liga mais. Disse que ligou a luz para mim e não cobrou deposito.
Mas o deposito já foi abolido desde 1948.
Êle disse que pode cobrar deposito porque a Light deu-lhe plenos poderes. Que êle pode cobrar o que quiser dos favelados."
Obrigada por me deixar continuar a aprender coisas consigo. Sabe que foi muito bom para mim o ponta pé de saida para a nossa /deles ( jovens do CALB) revista VEZ e VOZ!... Acabou no tempo mas não na memoria, minha e deles...
ResponderEliminarAgora aguçou-me a curiosidade por este
« Quarto do desejo». Um grande abraço
Marta
Bem-haja, Marta! Um grande, grande abraço também para si e a melhor sorte do mundo para todos.
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