Saiu de casa cedo, beneficiou da brisa que lhe afagava a parte descoberta do rosto e farnel e alguns apetrechos de trabalho na bolsa adoentada de nódoas, as mais diversas, lançou-se ao caminho para o ponto mais alto dos arredores da aldeia, onde, por certo, o sol não o trairia no corpo e nas ideias que levava... Sentou-se finalmente no cucuruto escolhido, à sombra do manso que, à distância, lhe sinalizava a hipótese.
Levara consigo, junto ao casqueiro a transbordar de chouriças, múltiplas, gordas umas, outras não tanto, bisnagas de óleo do seu "stock" de amador, sobretudo, com as cores do arco-íris que admitia, misturadas no almofariz da sua sensibilidade, poder repor na tela o recebido no olhar.
Fascinava-o uma certa liberdade na abordagem. A tela-alvo, que viajara arrimada às costelas, chegara virgem - à espera de festa... E havia uma paleta, uma velha, enrugada, paleta, que, viu-se mais tarde, acabou por lhe tingir o casqueiro em pausa na bolsa.
Tranquilizou-se tudo: o homem, o farnel, as bisnagas, o pincelame, a paisagem que, para dizer a verdade, já estivera mais fresca... Percebeu-se como que a existência de um binóculo perscrutador dos matizes envolventes.
Foi um olhar assente num pescoço agitado.
À espera, já no chão, inquietas, dir-se-ia que as bisnagas disputavam a primazia... O homem, esse, assumida a posse do serrano estúdio ao ar livre, viu e reviu, como se nada visse e, finalmente, serviu-se da paleta... Voltou a examiná-la. Suja de cores e tons que lhe começavam a paisagem.
"Morre-se do mal da pressa", ouvira dizer. Deixou-se ficar, meditabundo, na paleta que, ansiosa, o observava também. "Que paleta interessante, esta...", disse para o pinheiro que lhe facilitava a presença. E, pela primeira vez, começou (nunca pensara nisso...), aldeia distante, a desdobrar-lhe as formas em que, pelos modos, nunca reparara: cortou-a, mentalmente, em dezanove pedaços e sobressaltou-se com o resultado: nas suas mãos, antes de avançar para a paisagem-destino dos seus projectos ao amanhecer, nas suas mãos uma estranha riqueza de formas, a anteceder as outras que, do alto, sem paleta, a outros como ela, haviam bastado...
"Olha aqui a minha casa na rocha... E alguém angustiado... E aqui a imagem de uma piscina, sim, de uma piscina... E aqui (veja-se...) duas muçulmanas de costas... E aqui uma caverna... E aqui o drama de alguém a morrer afogado... A vida!... Nas minhas mãos, tudo. O colorido. a silhueta de tudo.
Uma imagem, duas, quatro, dez, dezanove imagens diferentes... A PALETA... Este pedaço de contraplacado... É uma questão de ... "
O carpinteiro da aldeia ajudou às autonomias e só mais tarde percebeu as maluqueiras daquele serrano que, de vez em quando, manhã cedo, lhe passava à porta com a sacola, que era um nojo, mas que, às vezes, cheirava a pão fresco e donde saíam a modos que pedaços do horizonte...
Levara consigo, junto ao casqueiro a transbordar de chouriças, múltiplas, gordas umas, outras não tanto, bisnagas de óleo do seu "stock" de amador, sobretudo, com as cores do arco-íris que admitia, misturadas no almofariz da sua sensibilidade, poder repor na tela o recebido no olhar.
Fascinava-o uma certa liberdade na abordagem. A tela-alvo, que viajara arrimada às costelas, chegara virgem - à espera de festa... E havia uma paleta, uma velha, enrugada, paleta, que, viu-se mais tarde, acabou por lhe tingir o casqueiro em pausa na bolsa.
Tranquilizou-se tudo: o homem, o farnel, as bisnagas, o pincelame, a paisagem que, para dizer a verdade, já estivera mais fresca... Percebeu-se como que a existência de um binóculo perscrutador dos matizes envolventes.
Foi um olhar assente num pescoço agitado.
À espera, já no chão, inquietas, dir-se-ia que as bisnagas disputavam a primazia... O homem, esse, assumida a posse do serrano estúdio ao ar livre, viu e reviu, como se nada visse e, finalmente, serviu-se da paleta... Voltou a examiná-la. Suja de cores e tons que lhe começavam a paisagem.
"Morre-se do mal da pressa", ouvira dizer. Deixou-se ficar, meditabundo, na paleta que, ansiosa, o observava também. "Que paleta interessante, esta...", disse para o pinheiro que lhe facilitava a presença. E, pela primeira vez, começou (nunca pensara nisso...), aldeia distante, a desdobrar-lhe as formas em que, pelos modos, nunca reparara: cortou-a, mentalmente, em dezanove pedaços e sobressaltou-se com o resultado: nas suas mãos, antes de avançar para a paisagem-destino dos seus projectos ao amanhecer, nas suas mãos uma estranha riqueza de formas, a anteceder as outras que, do alto, sem paleta, a outros como ela, haviam bastado...
"Olha aqui a minha casa na rocha... E alguém angustiado... E aqui a imagem de uma piscina, sim, de uma piscina... E aqui (veja-se...) duas muçulmanas de costas... E aqui uma caverna... E aqui o drama de alguém a morrer afogado... A vida!... Nas minhas mãos, tudo. O colorido. a silhueta de tudo.
Uma imagem, duas, quatro, dez, dezanove imagens diferentes... A PALETA... Este pedaço de contraplacado... É uma questão de ... "
O carpinteiro da aldeia ajudou às autonomias e só mais tarde percebeu as maluqueiras daquele serrano que, de vez em quando, manhã cedo, lhe passava à porta com a sacola, que era um nojo, mas que, às vezes, cheirava a pão fresco e donde saíam a modos que pedaços do horizonte...
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