Algures, na Austrália:
Bernardino Cadeiras, ex-vendedor de couves, primo de Fernão Mendes Pinto, retirado, taxista no activo (repito a primeira história para que se perceba melhor a segunda, que aí fica...)
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Quanto tempo esteve na fábrica?
Apenas seis semanas. O ordenado era um bocadinho fraco e, falando com alguns amigos, procurei entrar para a construção civil, onde se ganhava mais dinheiro.
Construção civil?...
Pintor.
Pintor?... Como é que foi isso de, em Portugal, ter começado nas couves, depois, na Austrália, ter rejeitado as barragens e, de certo modo, a serventia no açúcar para, de repente, aparecer na construção civil?...
Sabe, um tipo que emigre não pode escolher trabalhos. Onde se ganha mais é que tem que se estar. Caso contrário, anda-se para trás...
Pintor de construção civil...
Falei com alguns companheiros e pedi a um deles: "arranje-me um trabalho de pintor, que eu vou ver se me consigo ajeitar... Se não conseguir também não perco nada... De qualquer maneira, têm que me pagar enquanto eu lá estiver, portanto, veja se me desenrasca isso..." E assim foi: o homem conseguiu-me o trabalho e eu não hesitei...
Apresentou-se...
Pedi emprestado um fato de macaco, já sujo com pingos de tinta (não levei um fato novo, não!...), e apresentei-me ao capataz como oficial pintor...
E depois?...
Acto contínuo, o fulano, honesto, passou-me para as mãos um aparelho desarmado, que, de imediato, verifiquei tratar-se de uma pistola de pintar (cada peça para seu lado: borrachas, motor eléctrico, tudo separado...). "Agora é que eu estou arrumado... Não sei por onde lhe hei-de pegar...", pensei. Entretanto, o dito capataz deu-me também um aprendiz e..."espera lá, vamos ver aqui uma coisa..." Dei sinal ao rapazito que ia à retrete e, se bem o imaginei melhor o fiz: decidi demorar-me no W.C. o tempo suficiente para que o miúdo montasse a engenhoca... "Pode ser que quando eu voltar se perceba qualquer coisa..." Bem dito, bem feito: quando cheguei de novo ao pé do aprendiz já ele tinha montado a pistola e até andava a brincar, a fazer algum trabalho com ela. "Olá, agora que está tudo preparado, vou então tomar conta do resto..."
Lembrei-me dos tempos de criança, no Algarve, em que a gente pulverizava a batata redonda para lhe matar os escaravelho, e, ao ver a pistola, associei...
Mais a mais, tratava-se, não de pintar uma superfície lisa, mas uma rede, num parque de automóveis... Mesmo que deixasse escorrer, não se notava..." Isto é exactamente como eu fazia com as batatas... É pulverizar... Nâo deixar muitas falhas..." Aguentei-me e comecei. À medida que ía pintando, a coisa ía melhorando...
E o aprendiz?...
O aprendiz era só para ajudar a mudar as ferramentas de um lado para o outro e, de vez em quando, dar uma pintadela...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Apesar de tudo, a correr o risco de desemprego...
Apareceu-me logo um trabalho muito melhor: a manutenção de um motel. Aí já tinha que saber de tudo um bocadinho: um bocadinho de electricidade, um bocadinho de persianas...
E sabia?...
Nada!... Mas já falava inglês, o que me ajudava muito. Comecei então, com o apoio do "manager" do motel, que era um tipo formidável, a trabalhar numa nova decoração dos respectivos interiores. "Agora vamos fechar um quarto para decorar", disse-me. "Quero uma decoração francesa, um quarto à francesa..." Eu sabia que as cores da França eram o vermelho, o branco e o azul... Fácil: metia-lhe as paredes com umas riscas em azul e branco e o tecto a vermelho. O francês gosta muito de tectos quentes e, por vezes, com um espelho pendurado... Aquelas coisinhas assim... E depois vinha então o "boss" e elogiava: "Oh, muito bom!... Nós arranjamos aqui um motel internacional. Eu hei-de trazer-te as cores de outras nações... Vamos fazer quartos típicos..." "Está bem! Não há complicações!..." Uma vez o patrão abalou para a América e disse-me: "quero um quarto espanhol!..." Foi uma beleza!... Pintei as paredes e o tecto de vermelho, as camas, e até a sanita, de preto... O que me deu mais trabalho foi encontrar pandeiretas e castanholas para pôr nas paredes... Tive que falar com uns espanhóis, mas consegui resolver o problema. Lá pendurei as pandeiretas... Abria-se a porta e aquilo era um ver- me-lho!... O gajo, o "boss", na semana em que viu a coisa assim, fez questão em entregar-me, em mão, um envelope com uma gorgeta de 50 dólares!..."
(Somos estes... Ponto final. Vou reencaminhar isto para o Sócrates das "Novas Oportunidades".)
in "ENTRE VISTAS nos Arredores da Montanhas Azuis", de M.A.
Bernardino Cadeiras, ex-vendedor de couves, primo de Fernão Mendes Pinto, retirado, taxista no activo (repito a primeira história para que se perceba melhor a segunda, que aí fica...)
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Quanto tempo esteve na fábrica?
Apenas seis semanas. O ordenado era um bocadinho fraco e, falando com alguns amigos, procurei entrar para a construção civil, onde se ganhava mais dinheiro.
Construção civil?...
Pintor.
Pintor?... Como é que foi isso de, em Portugal, ter começado nas couves, depois, na Austrália, ter rejeitado as barragens e, de certo modo, a serventia no açúcar para, de repente, aparecer na construção civil?...
Sabe, um tipo que emigre não pode escolher trabalhos. Onde se ganha mais é que tem que se estar. Caso contrário, anda-se para trás...
Pintor de construção civil...
Falei com alguns companheiros e pedi a um deles: "arranje-me um trabalho de pintor, que eu vou ver se me consigo ajeitar... Se não conseguir também não perco nada... De qualquer maneira, têm que me pagar enquanto eu lá estiver, portanto, veja se me desenrasca isso..." E assim foi: o homem conseguiu-me o trabalho e eu não hesitei...
Apresentou-se...
Pedi emprestado um fato de macaco, já sujo com pingos de tinta (não levei um fato novo, não!...), e apresentei-me ao capataz como oficial pintor...
E depois?...
Acto contínuo, o fulano, honesto, passou-me para as mãos um aparelho desarmado, que, de imediato, verifiquei tratar-se de uma pistola de pintar (cada peça para seu lado: borrachas, motor eléctrico, tudo separado...). "Agora é que eu estou arrumado... Não sei por onde lhe hei-de pegar...", pensei. Entretanto, o dito capataz deu-me também um aprendiz e..."espera lá, vamos ver aqui uma coisa..." Dei sinal ao rapazito que ia à retrete e, se bem o imaginei melhor o fiz: decidi demorar-me no W.C. o tempo suficiente para que o miúdo montasse a engenhoca... "Pode ser que quando eu voltar se perceba qualquer coisa..." Bem dito, bem feito: quando cheguei de novo ao pé do aprendiz já ele tinha montado a pistola e até andava a brincar, a fazer algum trabalho com ela. "Olá, agora que está tudo preparado, vou então tomar conta do resto..."
Lembrei-me dos tempos de criança, no Algarve, em que a gente pulverizava a batata redonda para lhe matar os escaravelho, e, ao ver a pistola, associei...
Mais a mais, tratava-se, não de pintar uma superfície lisa, mas uma rede, num parque de automóveis... Mesmo que deixasse escorrer, não se notava..." Isto é exactamente como eu fazia com as batatas... É pulverizar... Nâo deixar muitas falhas..." Aguentei-me e comecei. À medida que ía pintando, a coisa ía melhorando...
E o aprendiz?...
O aprendiz era só para ajudar a mudar as ferramentas de um lado para o outro e, de vez em quando, dar uma pintadela...
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Apesar de tudo, a correr o risco de desemprego...
Apareceu-me logo um trabalho muito melhor: a manutenção de um motel. Aí já tinha que saber de tudo um bocadinho: um bocadinho de electricidade, um bocadinho de persianas...
E sabia?...
Nada!... Mas já falava inglês, o que me ajudava muito. Comecei então, com o apoio do "manager" do motel, que era um tipo formidável, a trabalhar numa nova decoração dos respectivos interiores. "Agora vamos fechar um quarto para decorar", disse-me. "Quero uma decoração francesa, um quarto à francesa..." Eu sabia que as cores da França eram o vermelho, o branco e o azul... Fácil: metia-lhe as paredes com umas riscas em azul e branco e o tecto a vermelho. O francês gosta muito de tectos quentes e, por vezes, com um espelho pendurado... Aquelas coisinhas assim... E depois vinha então o "boss" e elogiava: "Oh, muito bom!... Nós arranjamos aqui um motel internacional. Eu hei-de trazer-te as cores de outras nações... Vamos fazer quartos típicos..." "Está bem! Não há complicações!..." Uma vez o patrão abalou para a América e disse-me: "quero um quarto espanhol!..." Foi uma beleza!... Pintei as paredes e o tecto de vermelho, as camas, e até a sanita, de preto... O que me deu mais trabalho foi encontrar pandeiretas e castanholas para pôr nas paredes... Tive que falar com uns espanhóis, mas consegui resolver o problema. Lá pendurei as pandeiretas... Abria-se a porta e aquilo era um ver- me-lho!... O gajo, o "boss", na semana em que viu a coisa assim, fez questão em entregar-me, em mão, um envelope com uma gorgeta de 50 dólares!..."
(Somos estes... Ponto final. Vou reencaminhar isto para o Sócrates das "Novas Oportunidades".)
in "ENTRE VISTAS nos Arredores da Montanhas Azuis", de M.A.
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