quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (IX)


ENTREVISTA com Celina Veiga de Oliveira (cont.)


Avance um pouco mais... Parece-me nuclear...

Para mim, é o tema mais importante. Isto prende-se com a razão por que estamos aqui. Macau é um produto da expansão informal dos portugueses no Indico e no Pacífico. O nosso domínio chegava até Malaca, que foi conquistada por Afonso de Albuquerque em 1511.

De Malaca para cá tudo é diferente. Há viagens, sim, de exploração, mas à base da iniciativa privada de navegadores portugueses que vêm à procura de vender e de comprar, de ganhar dinheiro mas, nessa altura eles conseguem perceber - depois da chegada a esta região - que entre a China e o Japão, naquela altura, século XVI, não há relações bilaterais e cada um precisa dos produtos do outro: a China precisa da prata do Japão e o Japão precisa da seda da China.

E quem vai fazer essa ligação comercial são os portugueses, em regime de intermediários, portanto, com lucro absoluto. Mas, para que esta situação se concretizasse nas condições ideais, era preciso um ponto no litoral da China, onde, naturalmente, fosse simples ir a Cantão fazer negócios e estacionar na época dos negócios. E então, depois de várias tentativas, não vale a pena estar a fazer história, conseguimos obter autorização para nos fixarmos aqui em Macau. Oficialmente, em 1557.

Não há documentos, nem nas fontes portuguesas, nem nas fontes chinesas, que nos digam exactamente o ano em que os portugueses ficaram, permaneceram, em Macau.

Mas nós ficámos numa situação especial: por tolerância das autoridades chinesas e por consentimento das autoridades chinesas. E tanto assim que não tínhamos posse de terra nenhuma. Pelo contrário, pagávamos uma renda, chamada "foro do chão" ou "foro do chão de Macau", que era o correspondente a 500 tes de prata. Era um imposto que tínhamos que pagar todos os anos às autoridades chinesas. Aliás, esse imposto é a prova evidente de que nos era permitido estar aqui, fazer comércio, que interessava aos chineses e era a única via através da qual podiamos ter ligações comerciais com o exterior, embora sem interiorizar que o chão era português.

Não era, nem nunca foi. As nossas fontes dessa época passam a vida a dizer que a "paz que temos com o rei da China é a paz que ele quer", "Macau é uma cidade edificada em território chinês..." Há muitos documentos portugueses que dizem, de facto, isso.

Mas, pouco a pouco, no século XVIII, há uma alteração de dinastia na China. A dinastia Ming, que era a dinastia da claridade (Ming quer dizer claridade, quer dizer sol, quer dizer luz...) desaparece e entra a última dinastia reinante na China que é a Ch'ing, que vai durar até 1911, já no nosso século. Essa dinastia Ch'ing era considerada pelos chineses da China uma dinastia intrusa, porque era de gente manchú, lá de cima da Manchúria. Portanto, gente que, em relação à China, era considerada estrangeira e que nunca foi muito bem aceite pelos chineses da China, originários da China.

Essa disnastia aceita, de certa maneira, a situação um bocado ambígua da presença portuguesa aqui, não cria muitos obstáculos, não contesta radicalmente a nossa situação. Mas vai sempre dizendo que estamos aqui em situação de tolerância, em situação de favor, etc.

E, pouco a pouco, há a ingerência das autoridades chinesas, sobretudo daquelas que estão mais perto de Macau. Através de medidas legislativas, através de obrigatoriedade dos portugueses pedirem autorização para tudo, para a construção de uma casa, para a sua reconstrução. Para tudo...

Quer dizer, há uma espécie de envolvimento, de intromissão das autoridades chinesas. E o espaço de manobra que é reservado aos portugueses é cada vez é mais restrigido.

A situação é de tal forma dramática que, em meados do século XVIII, vivemos uma situação de quase integração dentro do império chinês. E depois há uma reacção da parte portuguesa. Mas, repare-se, isto é fácil perceber-se: onde é que estava Macau?! Estava no sul da China, uma coisinha minúscula... Onde é que estava Goa?! Muito longe. Onde é que estava Portugal?! Muitíssimo mais longe...

Com o nosso país com cheio de problemas no século XVIII: D. JoãoV, depois morre D. João V, vem D. José, depois vem D.Maria I, que adoece da cabeça, a Revolução Francesa que afecta muito, depois todos os problemas do século XIX, o Bloqueio Continental, as Invasões, a dominação inglesa, tudo isso, as pessoas que estavam em Portugal, necessariamente, embora se preocupassem com Macau, o território estava muito distante, não era, necessariamente, a parcela colonial mais presente.

Até à independência do Brasil, foi o Brasil que dominou, e depois a África e a India. Macau, nunca! Mas depois há uma reacção... O Liberalismo, a Revolução Francesa, a afirmação do poder central do reino. A ligação com as parcelas coloniais é uma ligação directa.

Macau não tinha uma ligação directa com Portugal. Dependia de Goa e a partir do liberalismo, no século XIX, passa a ser uma província autónoma, passa a responder directamente perante Portugal, não passa por Goa.

Cada parcela responde a Portugal, responde à Casa-Mãe, à Metrópole. Nestas circunstâncias, já no século XVIII se vislumbra uma preocupação nos nossos legisladores em afirmar aqui o poder português, com as Providências Régias, em 1783, mas isso é no papel... Na prática, não tem grande execução. Quem vai pôr em prática, em Macau, esses tais desígnios políticos de afirmação da soberania aqui é uma pessoa que vem de Portugal cheia de poder para afirmar aqui o poder português: João Maria Ferreira do Amaral.

Mas ele tinha que lutar contra duas frentes: uma era o Senado da Câmara, o célebre Leal Senado, que era o símbolo autonómico de Macau, símbolo de poder local dos macaenses; o outro eram os chineses, que, desde há séciulos, estavam sistematicamente a interferir nos assuntos da cidade.

Ele vai lutar contra estes dois pólos e depois paga cara a posição que assume: é assassinado, mas resolve, de facto, o problema. Acaba com o "foro do chão", acaba com a alfândega chinesa, acaba com os símbolos do imperialismo chinês (mastro com a bandeira chinesa...), expulsa os mandarins de Macau, diz aos mandarins da China que quando vierem visitar Macau são recebidos como representantes de um país estrangeiro, com todas as honras diplomáticas, mas representantes de país estrangeiro, porque Macau é solo português.

Repare-se na subtileza disto tudo... É a partir daí que se verifica a afirmação do poder e depois, em 1887, há um tratado que ainda hoje é alvo de muitas discussões e de muitas leituras, mas que, de certa forma, afirma a soberania portuguesa.

Dizia-se que os portugueses podiam administrar perpetuamente Macau , mas nunca poderíamos alienar, nem Macau, nem nenhuma das suas dependências sem prévia autorização da China. Isto era a mesma coisa que dizer "a China é que manda aqui."

.../...

( Nesta altura, perdeu-se a oportunidade, é o momento em que o entrevistador sente vontade (impossível) de concretizar diálogos. Entre, por exemplo, Manuel Teixeira, que, no caso, Deus terá, e Celina Veiga de Oliveira... Contudo, é aqui na NET que, em total liberdade, os que os quiserem, poderão imaginá-los... A Drª Celina, aliás, ainda não disse tudo...)

Até um dia destes - para o Macau 95 (X).

Eu bem sei que a NET "exige" discursos curtos, mas também sei que estamos fartos de ideias gerais... As palavras que trago aqui são INÉDITAS, insisto. Se tiverem que ir beber água ou fazer qualquer outra coisa, estão à vontade: nem as palavras, nem eu fugimos...Garanto! Divirtam-se. Ou estudem e divirtam-se. Ou divirtam-se a estudar...

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