terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XX)


Antes de iniciar a divulgação da segunda parte da entrevista com o Arq. Manuel Vicente (a quarta desta série), cumpre-me agradecer as generosas palavras que me têm chegado de amigos e conhecidos (algumas vindas de bem longe...) a propósito dos "Subsídios para a História" que tenho vindo a inserir neste espaço sem fronteiras.


Permita-se-me, entretanto, com o mesmo à vontade, que diga aos meus amigos FACEBOOK que, recém-chegado a este Grupo, estou a senti-lo mais voltado para o "venha a nós", mais panfleto, do que fomentador de iniciativas culturais verdadeiramente mobilizadoras.


Tenho um desafio a propor: quem é que descobriu a Austrália? Dir-se-á que não foi para isso que apareceu o FACEBOOK... Claro que não deve ter sido, mas se é uma das redes sociais possíveis, por que não propor, a partir daí, um movimento que incentive quem saiba retomar o tema, sem se escudar no que 1755 terá levado?


Ou na crise económica? Ou no desemprego?


Ou será que os estudiosos têm medo de entrar nos terrenos de Sua Majestade Britânica? A nossa ministra da Educação que, a propósito, recebeu palavras minhas, acusou com prontidão e simpatia a recepção do que, a este respeito, tive oportunidade de lhe escrever. Que lhe dê agora continuidade quem pode e deve...


Ó gente das Redes Sociais, "vamos ao prático", ou não? Para que serve o FACEBOOK? Não é, com certeza, para se acabar por aparecer, bem vestido, nas capas das revistas...


Em suma: a descoberta da Austrália é ou não é tema para os estudiosos? Há-os de expressão inglesa que acham que sim... E tu, Zé dos Arquivos? Estás com receio do John? Queres o eventual êxito para amanhã? Não queres, com certeza. Avança! E depois vai, se quiseres, ao "Facebook" que houver, dizer à gente o que é que, tendo custado o "suor do teu rosto", concluiste. E não fiques a pensar que isto é uma lamechice, que não é. E, muito menos, uma tentativa para desviar quem quer que seja dos temas directamente relacionados com o "caroço"... É apenas o que se diz que é... Coisa para estudiosos. Se os não houver... Entretanto, se alguém pretender informações locais, o contacto pode ser: Carlos Lemos, Cônsul Honorário de Portugal em Melbourne. Pode dizer que vai da minha parte...


Prometi, para hoje, a segunda parte da entrevista ao Arq. Manuel Vicente.

Aqui vai...


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E, nesse contexto, estes últimos 10 anos?


Por um lado, houve com o governo Almeida e Costa uma complexicação, uma sofisticação do aparelho administrativo, que passa a dispor de mais serviços, de mais técnicos, de mais departamentos.


Houve uma qualificação técnica - e também não estou a dizer que tenha sido pelo melhor ou pelo pior -, houve uma promoção técnica do estatuto da administração pública em Macau, que era bastante burocrático, bastante feito de amanuenses, de primeiros oficiais. Era uma burocracia mais administrativa e que foi ultrapassada por burocracia técnica...


Há um grande salto com a gestão do governo Almeida e Costa. Estava lançada uma lógica, uma outra matriz organizativa da Administração de Macau.


O número de secretários-adjuntos tinha aumentado... Lembro-me que a primeira vez que houve secretários-adjuntos foi logo a seguir ao 25 de Abril, foi no tempo do coronel Garcia Leandro, em que havia três ou quatro secretários-adjuntos, ou três ou quatro áreas de especialidade, que entre si dividiam a organização da Administração Pública de Macau: uns tomavam conta destes pelouros, outros daqueles, outros daqueloutros...


Hoje em dia não sei qual é o número de secretários administrativos, mas a especialização é bastante grande.


Macau passa para a China no ano 2000. Portanto, não é natural que, a partir de agora, a Administração portuguesa sofra grandes alterações. Aliás, o caminho não podia deixar de ir no sentido de se assistir a uma racionalização das diferentes estruturas administrativas existentes: a das Obras Públicas, das Finanças, da Economia.


Mas onde estão os 16 km que nos ensinaram ser a superfície de Macau? Que disciplina, ou indisciplina, modificou estes dados, se é que modificou?...

Há uma construção que marca uma nova presença, que tem "marca da casa"?


Acho que em Macau, ao tipo de sociedade que é e ao tipo de organização administrativa e política que tem, a pessoa do governador, a personalidade do governador, é um dado essencial de qualquer julgamento que se fizer. Note que o governador de Macau detém um poder pessoal pode dizer-se que ilimitado no quadro especifíco do território.


Quando se diz: "deixar um pouco que a sociedade funcione, quase espontaneamente, auto-regulada, ou que a economia de mercado funcione plenamente", são afirmações um pouco demagógicas. Podem não ser intencionalmente demagógicas, mas são um pouco isso, porque não existe em Macau uma média burguesia, ou uma burguesia de quadros, com contornos bem definidos. Não existe em Macau uma organização dessa mesma sociedade, seja no que for, em associações disto ou em associações daquilo, não necessariamente em partidos políticos, em associações de interesses.


A maior parte das associações existentes é tutelada ou pelo lado português ou pelo governo, quer explicitamente, quer honorificamente.


Houve aí um congresso de literatura comparada e criou-se uma associação de literatura comparada. É claro que pareceu natural às pessoas convidar para presidente honorário da associação de literatura comparada a mulher do governador. Não quer dizer que seja um convite completamente estúpido. A senhora tem um curso de Letras, suponho eu, mas repare-se no que é a mentalidade de dizer que ninguém se sente suficientemente autónomo, suficientemente maduro ou adulto em Macau para ter a sua própria associação sem ir procurar o chapéu de chuva protector da Administração, seja a mulher do governador, seja o próprio governador, seja o secretário de Estado, seja quem for. Quer dizer, a maior parte das associações que existem fora do quadro da organização administrativa procura ter sempre esse chapéu de chuva - tanto do lado português, como do chinês...


Há um Plano Director para Macau?


Não há um Plano Director para Macau, no sentido da gestão do território. Mas também não há, "tout court", para a gestão da sociedade e do próprio território. Há muito pouco o sentido da continuidade. Cada governador que chega é como se houvesse uma revolução!...


Porque as pessoas, até um determinado escalão de decisão bastante baixo, são mudadas. Todo o pessoal dirigente é mudado.


Se considerar que desde 1976 houve quatro ou cinco, ou não sei quantos governadores, repare-se que é realmente muito difícil governar um barco destes... Até me admira como é que, apesar de tudo, as coisas vão andando, e até com algum brilho, com mudanças tão grandes.


E depois é um sítio bastante diferente, bastante estranho, em que se fazem extrapolações, eventualmente, desde fora, muito pouco adequadas e muito pouco eficazes.


"Aqui também só temos 500 000 pessoas..." - dirão. Começa-se a imaginar que se vai gerir uma cidade média ou uma pequena/média cidade e depois entra-se num território em que, de repente, o nível de circulação fiduciário, as quantidades de dinheiro existentes, a dimensão de algumas indústrias, nomeadamente, da imobiliária, das diversas actividades, às vezes, é superior aos movimentos de Lisboa ou de qualquer outro sítio que tenha uma dimensão, à primeira vista, mais poderosa. Macau tem uma dimensão aparentemente menos importante e tem problemas muito mais complexos.


As pessoas que vêm dirigir demoram muito tempo a tomar decisões. Para já, vêm desconfiadas, vêm com os ouvidos cheios, não querem cair em esparrelas, não querem cair em armadilhas, protegem-se muito, defendem-se muito, não querem ser presas fáceis de interesses que aparecem com ar muito simpático... E, portanto, nessa adaptação, até saberem exactamente onde estão e perceber tudo (e eu tenho confirmações de alguns ex-governadores que, depois, em conversa amena, me confessaram isso mesmo), perdem-se, normalmente, dois anos...


Mas então que espírito enforma um arquitecto debruçado sobre o estirador, tendo como realidade Macau-hoje?


Trabalha-se...Se eu abro uma loja... Não podemos ser ingénuos. Não se pode dizer: eu agora abri loja, mas é só para vender às 3ªs, 5ªs e sábados... Se uma pessoa abre a loja é para entrar num jogo... Cujo dono é, supostamente, pessoa responsável...


Mas há regras ou não?...


Não! Mas pode entrar-se num jogo em que a regra seja não haver regras... E tentar jogar esse jogo de acordo com o projecto pessoal de cada um... Eu procuro jogar de acordo com o meu projecto pessoal...
(cont.)




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