Na variedade, por certo, alguma verdade para a História (Srs. Destas Coisas, estão a tomar notas?...) Prossigo.
A entrevista com Carlos Morais José (que, adianto, vai ter, pelo menos, uma terceira parte... Lembro-me muito bem de não querer, na oportunidade, desaproveitar a hipótese da "recolha" - com ou sem livro, como é, para já, o caso):
Permita-me, a propósito, um aparte: fiquei há dias impressionadíssimo porque, na última vez que estive no território, falei com o Dr. Carlos Assunção, que me pareceu um homem brilhante... Agora, relativamente poucos anos depois, fui "encontrá-lo..." estátua de bronze, rigorosamente "transcrito"... Foi uma sensação desconfortável... Mas que revela qualquer coisa singular: morrer e "ganhar" imediatamente estátua... Ao homem? Ao homem e às circunstâncias?... Esqueça. Prossigamos, de facto.
Tudo a propósito de João Maria Ferreira do Amaral. Já lhe falei de Camilo Pessanha e, obviamente, que não lhe vou poder falar de toda a gente. A maior parte dos heróis, ou fazedores de Macau, são, na verdade, os macaenses que foram os que aguentaram este território como espaço português e foram, neste sentido, extremamente patriotas durante todo o tempo em que Macau foi abandonado ao seu destino por Portugal. Esse sentimento de abandono é, de resto, uma das características mais fortes da comunidade macaense, na sua psicologia.
É a sensação de que o pai é mau, de que o pai não quer saber dela, de o pai é um marinheiro que a faz e se vai embora...
Eu sinto isso na comunidade macaense, é uma sensação de abandono e talvez por isso eu me identifique bem com ela. É um sentimento de fundo dos portugueses que não consigo perceber bem porquê. Passa pela questão da saudade e passa por outras questões...
Mas, pronto, as famílias macaenses, que sustentaram Macau durante esse período, é que são, de facto, os grandes interpretes desta história e foram o grande sustentáculo da presença portuguesa aqui.
Está, contudo, por fazer a história dos macaenses em Macau. E eu não sei se será feita... Talvez um qualquer ... francês, ou inglês, ou até mesmo alemão... Que, aliás, me parecem mais interessantes do que propriamente os portugueses: este tipo de assunto para um investimento estratégico na China. A sério!... Porque se aprende com o passado e, de facto, Macau é um exemplo, talvez até o melhor exemplo de sempre como dois povos podem conviver sem conflito e usando-se, mas, de qualquer modo, convivendo com o outro, sem perda de raízes...
Camões, nesse contexto, é um "macaense"?
Não, não!... É um português...
Mas, a título póstumo, pode vir a ser embaixador honorário de Portugal?
Sim, sim, acho!...
Não vão a nascer crisântemos no local onde agora está o busto do Poeta?
Penso que não!... Porque, como disse o José Augusto Seabra, e muito bem, a Gruta de Camões é o sítio simbólico da presença portuguesa em Macau. É dali que irradia o nosso poder. E por isso é que é muito bom que seja um poeta. É daquela Gruta que irradia o nosso poder simbólico e mitológico em Macau.
Não vai ser escorraçado pelos chineses?
Não. Os chineses não têm medo dos nossos símbolos. Eles têm muito mais e..,nós somos uma "coisa pequena". Eles têm uma civilização enorme, cheia também de figuras, cheia de símbolos e que a população conhece. Portanto, penso que não existe esse problema. Porque é que a China nos aceitou aqui?!..., perguntar-se-á. Porque sempre pensou que não iriamos pôr nada em questão.
Não estamos no "mercado da poesia"?...
Não há esse problema. Para eles, nós somos uns tipos curiosos. Não pomos aqui nada em risco. Uma coisa são os portugueses que vêm cá e que têm um papel decisivo. Por exemplo, o Camões ou o Camilo Pessanha, que considero também português, não macaense... Acho que isto é muito importante, porque esta terra dá uma sensação curiosa: as pessoas estão cá seis meses e pensam que já são de cá... Identificam-se, gostam... Mas não podemos ter essa ilusão, não posso ter a ilusão de que por estar a escrever em Macau, faço parte da literatura macaense. Estou é a escrever em português... Estou a escrever, na minha língua, literatura portuguesa.
Então em Macau temos sido missão, pimenta, aventura... O quê?
Pimenta. Desde há pouco tempo. Mas a parte que interessa aqui é a parte da missão e o que é que Macau pode representar...
Tem sido missão?...
Eu não sei se tem sido, se não tem sido... O que sei é que faço uma distinção entre os detentores do poder e os outros e posso dizer-lhe que, para os detentores do poder, Macau tem sido talvez pimenta. Para a maior parte...
Quem são os missionários, então? São os poetas?
Esses são...
Porque vão à frente?...
É uma questão de olhar para as coisas, não é uma questão de vida, ou de vidinha... É um questão de saber que se é português no Extremo Oriente, e saber que Portugal tem uma missão em todo o mundo... Portanto, é no prosseguimento dessa missão que os missionários se fazem... Os missionários não existem porque decidem ser missionários, não!... Os missionários fazem-se. Ora, qual é a nova que os portugueses espalham? Isso levar-nos-ia muito longe...
Mas dos missionários de que estamos a falar, nem todos têm hábito...
Não, não têm hábto. Mas, atenção, eu reconciliei-me com a Igreja do Oriente. Conheci padres.
Mas, se calhar, conheceu outros, não padres que fizeram missão...
Sim, sim, sim. Não quero desvalorizar o papel dos padres.Nós aqui percebemos que houve padres, pessoas que acreditaram. E tiveram um papel importantíssimo em todo o Oriente.
Há, contudo, quem considere estes últimos dez anos uma época de "caldo verde", quer dizer, uma época em que se encheu a barriga sem grande proveito...
Para já, as pessoas não se devem queixar, devem fazer... Se se sentem injustiçadas por algum motivo, "vão dar uma volta", passem em frente e... façam coisas. Eu acho que a ideia-base é, em vez de nos lamentarmos e dizer que não andamos aqui a fazer nada, a ideia é: "então vamos fazer!..." E se as pessoas fizerem... Agora se me perguntar se há uma estratégia portuguesa para Macau, levada a cabo com coerência e com inteligência, eu respondo-lhe não!...
Um monumento, uma vez por ano, é estratégia cultural?...
Não sou contra os monumentos, mas sei perfeitamente que tipo de regime é que faz monumentos. Nesta altura, tem é uma vantagem: é que muito raramente mexe com qualquer coisa. É uma pedra que se põe ali, uma imagem, uma figura... É pacífico. Obviamente que estratégia cultural não é nenhuma... Isso não é uma estratégia cultural. Teria que haver uma estratégia cultural completamente diferente. Não estou a negar que se façam os monumentos. Agora, paralelamente a isso, por amor de Deus, faça-se qualquer coisa...
As pedras mandam-se abaixo. Os aeroportos afundam-se, aterram-se e fazem-se prédios em cima, se se revelarem inúteis... A cultura e a maneira de ser das pessoas, essa, é mais dificil de mudar... Muitos tentaram, mas, até hoje, nenhum conseguiu...
A partir de 1999, quem joga e onde?
A partir de 1999, quem vai jogar são os chineses, mas não os mesmos. Como nós não preparámos uma elite local, quando saírmos, vamos ser substituídos por quadros vindos do Norte. Macau vai ser, e já está a ser, progressivamente, "colonizado" pelos chineses do Norte...
Pequim?...
Pequim, Xangai...Do Norte, que fala outra língua..
Das próprias zonas especiais não vai haver uma transferência para aqui?...
Penso que não. Penso que, no Norte, há muita fome de conhecer zonas mais desenvolvidas. Penso que há uma grande apetência pelo Sul, sempre houve...
Então essa gente vai tomar contacto, pela primeira vez na sua vida, com a casa de penhores?
Sim, sim...
Como é que se processa esse jogo do jogo?...
A questão do jogo na China é muito interessante e merecia um estudo aprofundado. Macau seria o local ideal para o fazer.
Um tratado...
Existe um antropologia do jogo feita, como disciplina, como subdisciplina da própria Antropologia. Só que nunca foi, de facto, estudada uma terra onde o jogo é estruturante, quer a nível económico, quer, e sobretudo, a nível das relações sociais.
Logo, não pode desaparecer...
O jogo???... Não, não vai desaparecer...
Macau afundar-se-ia...
Macau afundava-se como o conhecemos. Mas os chineses não vão acabar com o jogo... A questão nem é acabar com o jogo, a questão é permitir o jogo ao lado... Se eles abrirem casinos ao lado, em Hong-Kong, obviamente, Macau vai perder grande parte da sua influência, mas estamos a entrar num encanto, talvez, com casinos mais decadentes...
(cont.)
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