segunda-feira, 15 de março de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XXXII)

 Nas últimas semanas, amáveis, três ou quatro "bloguistas", e, num caso ou outro, amigos de longa data, têm vindo a manifestar interesse na transcrição de PARCELAS (necessariamente CURTAS) das entrevistas aqui inseridas ou a inserir. Cabe-me, desde já, publicamente, manifestar grande satisfação pelo facto e sublinhar que nada tenho a opor a que isso aconteça, desde que se respeite o óbvio: indicação INEQUÍVOCA do "blogue" de origem, isto é, ruadojardim7.blogspot.com   Digam, pois, de vossa justiça. Entretanto, os Subsídios vão continuar por mais uns meses... 

Seguem-se, neste domínio, de quando em vez, eventualmente,  brevíssimas referências pessoais a pormenores agora não revelados e/ou sublinhados, para não quebrar discursos. Lembro, contudo, que, quando gravei estas entrevistas, já o Acerca de Mim "tinha matéria"...  "Os Portugueses no Mundo" haviam sido uma realidade e... e Macau, dessa vez, a caminho da "esquecida" Austrália, uma terceira volta (ÚNICA!), se não me engano...


ENTREVISTA com o Comandante Sá Vaz (cont.)

Se lhe pedissse para me falar de nomes da nossa história que tivessem tido a ver com Macau, que nomes recordaria? E porquê?

Há nomes que são muitos importantes.Por exemplo, houve um homem aqui que foi o ouvidor Arriaga (como se sabe, os ouvidores eram as pessoas que dirimiam os conflitos e que geriam a vida das sociedades... Tentavam ajudar quem lhes apresentasse problemas). Este homem soube gerir conflitos, foi um homem muito importante, foi um homem com acesso fácil à parte chinesa e que, portanto, conseguia resolver muitas questões.

Posteriormente, houve outro homem marcante em Macau. Marcante perante a parte portuguesa. Foi o governador Ferreira do Amaral. Ferreira do Amaral veio para Macau e quis impôr aqui as teorias liberalistas que andavam por toda a Europa. Resultado: procurou assumir as rédeas do governo (e aqui temos a luta Leal Senado - Governo)  e assumiu, dirimiu ou procurou tornar Macau terra portuguesa, o que era natural nas teorias da época. Isto custou-lhe a vida: foi morto pelos chineses.Contudo, marcou, por procurar dar aqui uma outra visão de toda a estrutura. Não quero dizer que tenha tido má visão...

É evidente que ele foi um bocado vítima do que no mundo se passava nessa altura, da teoria do liberalismo, que procurou interpretar "ipsis verbis", aqui no território. É evidente que isso não foi possivel por força das fórmulas existentes e pela dificuldade que constitui, nesta imensa China, este ponto de quase cabeça de alfinete, estar aqui...

Mas houve muitos mais... Por exemplo, recentemente, há um homem que é o Ho Yin, que foi um homem imensamente amigo dos portugueses, que tanto ajudou naquele 1,2,3, na célebre acção que houve no tempo da Revolução Cultural. Uma pessoa fundamental nos tempos modernos.

Mas houve também outros chineses muito importantes que, de alguma maneira, fizeram a ligação Macau-China.

Também quando foi a invasão da China pelo Japão, na 2ª Grande Guerra Mundial, nunca Macau foi importunado, porque, na altura, havia aqui um outro português que tinha um bom relacionamento geral e que se dava bem, em particular, com o comandante japonês na ilha de Taipa. A verdade é que conseguiu, de alguma maneira, evitar que a guerra chegasse a este território.

Em suma, ao longo da história de Macau há, de facto, muitos homens, homens, fundamentalmente bons, homens que exerceram acção diplomática e que conseguiram sempre, por via da negociação, sempre, resolver problemas.

O Leal Senado era, no fundo, a cúpula destes homens que, em assembleia, íam dirimindo conflitos.

Gostaria também de falar da importância que aqui tiveram os jesuítas. Estes é outro tipo de homens que foi extrordinariamente importante na vida de Macau.

Os jesuítas foram desde guerreiros - e o ataque dos holandeses é, de algum modo, defendido por um padre jesuíta; a construção da igreja de S. Paulo é dos jesuítas; o colégio que aqui foi feito, onde os jesuítas que vinham para o Oriente aprendiam a língua chinesa e depois daqui irradiavam...

Todos eles constituíram como que uma universidade, um farol cultural de Macau. Não podemos esquecer esses homens e a sua acção, independentemente da pátria donde provinham. Todos eles foram importantes na história de Macau.

 Podemos pensar em Camões, a ser nomeado, a título póstumo, embaixador de Portugal - ou não?...

Defendo a teoria de Fernando Pessoa, quando diz que "a minha pátria é a minha língua". E, de facto, em todo o mundo a nossa pátria tem que, necessariamente - e temos que caminhar para aí - ser a minha língua. Em todas as comunidades onde ela se fala, é um pouco indiferente, ainda que gostemos muito do nosso torrão natal,  temos que ter a visão suficiente e clara de que é mais importante manter a língua do que manter quase esse torrão natal...Mas se conseguirmos as duas coisas... tanto melhor. Fundamentalmente, contudo, a língua é a expressão das pessoas e é aí que devemos fazer a nossa intervenção possível para que, de facto, mantenhamos e prolonguemos a passagem pelo mundo e enfrentemos os novos desafios que se nos apresentam. É nesse campo que devemos intervir.

De qualquer modo, Fernão Mendes Pinto é o português-tipo?

O  Fernão Mendes Pinto, como se sabe, a sua actividade e a sua acção, têm dado lugar a várias interpretações. Penso que, na verdade, foi um homem - não queria chamar-lhe aventureiro -,  foi um homem que teve um percurso de vida que quase todos nós, um dia, gostariamos de ter tido... Era um aventureiro idealista, que talvez tenha conseguido realizar aquilo com que todos nós sonhamos...

Mas é um homem-síntese?..

É um homem que traduz muito daquilo que somos. É relativamente fácil ver quando, em qualquer parte do mundo, se encontra um português ou de descendência portuguesa... Como é que é possível que esta gente se tenha "divulgado" tanto pelo mundo? Tenho encontrado portugueses nos mais recônditos sítios do mundo... Tenho encontrado, e fico estupefacto, como é que foi possível?!... Como é que nós, um país tão pequeno, nos Descobrimentos, chegámos aqui a Macau, chegámos aqui a todas estas áreas do Oriente, muito antes doutros europeus...

E eramos tão poucos e conseguimos chegar tão longe... Ficamos impressionados com esta capacidade de resistência. Eu digo que nos cabe, nas nossas grandezas e misérias, uma capacidade de convivência notória: não afastámos ninguém, pelo contrário, absorvemos, assimilámos e sobrevivemos.

E se eu lhe pedisse que me citasse iniciativas com direito a compêndio de história?...

Macau, todo ele, em si mesmo, é, olhando-o com visão de História, um ponto de interrogação: como é que foi possível construir-se e sobreviver? Nós verificamos, num país imenso como a China, com uma cultura tremendamente marcada, uma cultura que, no tempo em que fomos escolhidos e chegámos,  já ombreava com as culturas mais desenvolvidas do mundo... Com Hong-Kong aqui ao lado, que é uma praça tremendamente forte, onde o mundo ocidental investiu imenso e, portanto, com uma força brutal, com oito milhões de pessoas...

É um bocado difícil de conceber como é que meia dúzia de gatos pingados sobreviveram contra os destinos da história, quando os próprios ingleses,na Guerra do Ópio, quiseram conquistar Macau...

Se formos ver a actividade que nessa altura foi exercida, a acção desenvolvida pelos governadores da época, pelo Leal Senado, a tentar defender-se dos ingleses, que queriam conquistar, dizendo que vinham proteger, a tentar defender-se dos chineses que queriam expulsar os ingleses... É tudo uma habilidade que, de facto, prima pela capacidade das pessoas que foram capazes de executar todo um jogo exímio do gato e do rato, executada com tal habilidade que, olhando para trás, nos sentimos felizes por termos antecedentes deste nível.

Todo o Macau, portanto, a sua sobrevivência, o ter, ao fim,  um entendimento perfeito entre os homens, sem que tenha havido fracturas - todo ele é um Compêndio de História.

A Declaração Conjunta é um marco?

Sim. É nitidamente um marco. Aí houve uma intervenção em que, assumidamente, dois governos, reconhecendo-se e respeitando-se, encontraram uma solução que, com honestidade, procura vir a prolongar-se ao longo dos tempos, em pról e favor da identidade das gentes que aqui vivem. Compete-lhes, a elas, provar se são ou não capazes de fazer vingar esse marco para além do tempo.

Homem do mar... Vem aí o aeroporto... O que é o aeroporto para um homem do mar?

Quando andava nas minhas viagens, e estou a lembrar-me, por exemplo, de Lisboa-Madeira, em que demorava dois dias para  lá chegar, cinco dias para atracar nos Açores, quinze dias para desembarcar em Luanda, e via, de repente, um avião passar lá em cima... E pensava: "caramba! já estou aqui há cinco dias e aquele em quatro horas vai fazer o mesmo..."

Portanto, habituámo-no a pensar no que é o progresso, o que são as exigências da vida moderna. Ora se neste mundo cada vez se caminha mais para acção global, onde todos os factos se interpenetram, onde aquilo que estamos a dizer neste momento pode ser reproduzido em todo o mundo ao mesmo tempo... Necessariamente, que tudo o que seja avanço tecnológico é progresso.

Macau, que não tinha e que estava dependente de Hong-Kong para as suas ligações exteriores, passou a ter o seu aeroporto, com muito custo e sacrifício, criando uma autonomia  muito grande, isto é, digamos, podemos entrar e sair sem pedir licença a ninguém. Autonomiza-se neste próprio mundo e é mais um factor de convivência com outra partes do mundo... De facilidade de convivência.

(cont.)

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