domingo, 25 de abril de 2010
Terreiro do Passo *
"Convocam-se plenários. Discute-se. Ouve-se o que se gosta e o que se não gosta. Cochicha-se. Sai-se. Entra-se de novo. Segreda-se ao ouvido da presidência. Volta-se. Nomeiam-se comissões. Que discutem. Que cochicham.Que segredam. Que nomeiam subcomissões. Subcomissões que procuram obter pareceres técnicos, primeiro nacionais e depois internacionais.
Chovem relatórios. Despachos que despacham. Despachos que mandam arquivar. Despachos que ordenam. Ordenam mais pareceres de novas subcomissões. Que reúnem. Amanhã e quinze dias depois. Para dar tempo. Tempo a um estudo mais profundo. Sempre mais profundo.
O assunto tem várias implicações não só políticas como económicas e sociais.É preciso ouvir, por isso, diversos ministérios. Que reunirão em plenário. Onde se ouvirão coisas agradáveis e outras que o não serão. Onde se cochichará. E se nomearão comissões que, por sua vez, delegarão em subcomissões que farão mesas redondas entre si. E, mais tarde, trabalharão em equipa que, inicialmente, não será interministerial.
Mas virá uma ordem. UMA ORDEM. Há que reunir interministerialmente.
Minutam-se cartas. Fazem-se horas extraordinárias. Correm os contínuos. Preparam-se "dossiers". Procuram-se antecedentes. Descobrem-se falhas. Procede-se a uma reconstiuição. Telefona-se para a 1ª Repartição. Almoça-se com o chefe da 2ª. Em segredo. Prepara-se tudo para a interministerial. Obtêm-se os dos outros participantes. Informa-se o director que nada sabia. E logo a seguir chama-se a secretária - e o contínuo ao mesmo tempo. Ouvem-se ordens. Tocam telefones. Fazem-se reuniões. Interministeriais. Ministeriais. Plenárias. Especializadas. Discute-se. Segreda-se. Cochicha-se. E dactilografam-se relatórios. Consulta-se bibliografia. Fazem-se traduções. Pedem-se orçamentos. Cá dentro. E lá fora - só para confirmação.
Fazem-se contas. Abrem-se cartas. Reunem-se as subcomissões. E as comissões. Convocam-se plenários. Demitem-se comissões. Erguem-se braços. Baixam-se braços. Cochicha-se. Sai-se. Entra-se de novo. A mesa é afastada com um voto de censura. Volta a votar-se. Por escrutínio secreto agora. Surgem novas caras na mesa. Votam-se novas comissões. E novas subcomissões. Consultam-se "dossiers". Fazem-se sindicâncias. Estudam-se reintegrações. Procede-se a um inquérito. Fala-se em saneamentos. Elaboram-se processos disciplinares. Discute-se futebol. E o tamanho do entremeio da colcha. Chama-se o contínuo. Compra-se contrabando e envia-se um parecer. Para juntar ao relatório. Que anula o da comissão, que mandara a subcomissão ouvir o parecer do técnico estrangeiro por intermédio do especialista nacional do outro ministério e que haveria de ser apensado aos orçamentos em tempos pedidos, mas que carecem de actualização.
Pedem-se novas propostas. Ouve-se a opinião pública. Solicitam-se entrevistas. Convoca-se a imprensa. A rádio. A televisão. Dá-se um prazo para sugestões.
Reunem-se as comissões centrais. As distritais. As concelhias. As de freguesia. As de bairro. Que, por sua vez, emitem comunicados. Fazem reuniões. Comícios. Fala-se do assunto cinco minutos e a assembleia demora noventa. E aprova a proposta do senhor que estava na primeira fila. Por aclamação.
Conhecem-se todas as opiniões. As das bases, das semicúpulas e das cúpulas. Está decidido: será cor-de-rosa, por fora!
Quanto ao interior, ver-se-á mais tarde. Talvez museu. Louvre - à portuguesa.
A fachada, contudo, já está. Do Terreiro do Paço. E não só...
Por exclamação."
* Este apontamento foi publicado em 1976 (sob o título "À portuguesa", primeiro na imprensa e, mais tarde, em "À Sombra da Minha Latada", de M.A.) quando o problema do Terreiro do Paço era a cor das fachadas.
Nos últimos tempos, o caso não tem sido o mesmo... E vai terminar com missa. Haja Deus!...
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