quinta-feira, 21 de outubro de 2010

"O POETA" - livro a haver (2/3 páginas, de umas 150...) - I


Foto Mónica Ponce
 

  Agostinho da Silva, amável, leu o original e disse tratar-se de uma novela "com força psicológica".

Anda por aqui entre os meus papéis, não à espera de editor, que não procurou, mas a modos que "a rir-se disto tudo"... Ou não sei a fazer o quê...

Entretanto, por graça, enviei, há uns meses, algumas páginas do original (1983/84) ao meu amigo presidente da Junta da aldeia onde situo o início da acção.

Simpático, disse-me um dia destes, de viva voz, que achava a sua aldeia "bem retratada" no texto (de facto, enquanto autor, nesse aspecto, não quis "inventar", mas, se possível, retratar...).

Obrigado, Minhoto!

E lá vai prosa, em dois ou três "posts". Que isto de leitores de blogues tem que se lhe diga... É gente sempre com pressa...Como o tempo que passa.

"Naquela minha cadeira
Luminosa e nevoenta,
Que um Poeta sempre tem
Ou quando não tem inventa
... ... ... ... ... ... ... ...
- Meu amor, que vejo eu?
... ... ... ... ... ... ... ...
Vejo tudo o que não vejo
Vejo tudo o que pressinto
... ... ... ... ... ... ... ... "

Noel de Arriaga


"Em tarde calma de Março, Isidro Lobo, fatigado, sentara-se, boné às três pancadas, à sombra da ampla varanda da moradia restaurada do Dominguizo, na velha cadeira de repouso amarela que trouxera do "atelier" da rua do Alecrim, em Lisboa.

À sua volta, o silêncio era o companheiro que a capital já deixara há muito, talvez perdido num qualquer ano do século XIX. Ali pouco ou nada perturbava a pacatez do meio. Frente à casa, do outro lado do asfalto ladeado por extensos muros, apenas um posto de transformação, com ares de guarita agigantada, se apresentava como algo insólito, numa paisagem toda ela oliveiras, a sugerir candeias de azeite, e zonas de pasto, a esmaltar de verde claro o fundo acinzentado do resto, que eram campos a perder de vista, culminando, um bom par de léguas além, com o ondulado da Gardunha, quase negra, em dia de céu branco tingido de azul.

Volta não volta, o tapete da estrada, talvez já com mais assiduidade do que o desejável, era molestado por camionetas a caminho dos Vales ou do Tortosendo, desfazendo um tanto a aparente calmaria da região.

Surgiam contínuas carradas de tijolo ou de areia para a construção das casas provenientes de capital fresco. Aliás, a aldeia era tão pacífica quanto estranha: o motorista que, a troco de trezentos e sessenta escudos, levara Isidro Lobo, da Covilhã até lá, apressara-se a dar a entender, durante o percurso, que estava tudo muito caro, mas que o Dominguizo era terra de gente rica, vivendo dos farrapos. "São farrapeiros", murmurou ele a certa altura, como que a querer dizer "vivem dos trapos velhos". Não admirava, por isso, que a indicação do destino haja custado a Isidro Lobo mais sessenta mil réis do que o estipulado. Sendo um teso, ido de Lisboa, pagara como os seus conterrâneos farrapeiros, que se amolara (...)."



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