"(...) E o avesso da terra começa a mostrar-se como nunca. Dir-se-ia que todo o nevoeiro se levantara para deixar ver o que ia no interior. Isto tudo à mistura com uma certa ponta de vaidade, estava a conseguir retirar do íntimo de cada um o que, anos a fio, os trapos do negócio haviam ocultado, mais por estratégia do que por necessidade. Às libras em ouro da burra, juntavam-se as divisas de ostentação obrigatória, ganhas, sabe Deus como, trazidas pelos da debandada para a estranja, donde não é vergonha vir de mãos a abanar. E a paisagem, não obstante o seu ar suave, nesta altura tão do agrado de Isidro Lobo, reflectia essa realidade: mostravam-se, aqui e além, as casas de variegadas cores dos farrapos velhos do período introvertido da aldeia dos homens de mãos sujas pelos desperdícios de terra alheia. A emigração dava, assim, nova, mais expressão ao Dominguizo, pintando as ruas de tintas, não raro, berrantes, em contraste com a severidade rural de outras épocas, mais dadas à simulação, mas também, há que dizê-lo, ao encanto que a magia encerra. Estava tudo mais colorido e, talvez por isso mesmo, mais de acordo com a maneira de ser comum à maioria, ainda que forçando o tom local, de si, do ponto de vista paisagístico, a deitar para o verde escuro das oliveiras, ou para aquele cinza que tem um monte de trapos velhos, frio como basalto e triste como a sombra de uma floresta sem caminhos.
O sol, contudo, invadira a casa em cuja varanda Isidro Lobo, serenamente, procurava relaxar os músculos. No interior, pouco mais chamava a atenção do que um animado bailarico de moscas oriundas da paisagem descuidada em torno da lâmpada de vinte e cinco velas suspensa do tecto da sala grande. Bocejava-se (...)."
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