De um palestra feita em Santarém, 1993 - a convite dos Rotários
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Agora, sim, sem desvios, o "nosso" Oriente - o do nacional sonho.E de novo Fernão Mendes Pinto, desta feita azedo, nas palavras de um dignatário da India: "Que gente sois vós cuja miséria é tanta que vos leva a correr sobre os mares e a enfrentar, por cobiça, perigos tamanhos?"
Respondo-lhe:
- Olha, primo vagamundo, toma lá versos de Mário Beirão, conheces?...
"Leio e medito o livro sacrossanto
Que o povo português,
À luz da Glória e do Martírio, fez
Da sua dor e do seu próprio espanto:
E cuido ouvir, e cuido ouvir (momentos loucos!)
As pancadas das naus, dos cavernames ocos,
Nos baixos onde o mar anseia sem parança;
E cuido ver, à flor das águas referventes,
As jangadas - em última esperança -
E cuido ver - meu Deus! - sobreviventes,
Em procissões pelos areais ardentes,
E, em plagas tristes, muito além, já no profundo
Da selva imensa - como em outro mundo!
É noite... As feras saem dos seus fojos
E, pelas solidões,
Buscam, bramindo, os restos, os despojos
Das grandes perdições!"
Acrescenta-lhes figuras ilustres e verás, caro Mendes Pinto. Mas deixa-me lembrar-te o nome comum de Olga Martins, goesa, minha guia generosa, à beira do Mandovi, de quem guardo a feliz memória do beijo de despedida, no aeroporto de Goa, em que, ali mesmo, excessivo, me senti Portugal, primo de toda a gente e de ninguém.
Perdõe-se-me a intimidade do desabafo.
Esqueçam.
Vamos para Macau, autêntico cú de Judas, em breve, apenas Judas. Assola-me o desejo de aqui recomeçar a palestra, mas não posso, nem devo, maçar-vos mais. A Cidade do Nome de Deus, sabem os que tiveram a oportunidade de a visitar, é um local fascinante, onde não importa a língua que mais se fala, há Camões por todo o lado, mesmo que acerca da sua passagem pelo território se estabeleça a polémica. Recordo Carlos Paes d'Assunção, recentemente falecido, que foi presidente da Assembleia Legislativa do território; lembro o pintor Herculano Estorninho, que os chinas se habituaram a admirar; tenho presente monsenhor Manuel Teixeira, na austeridade conventual do seminário de Macau, uma vida dedicada à Cidade e à Igreja; estremeço com a poesia, em "patois", do meu amigo José Santos Ferreira:
"Macau cristám,
Iou-sa único riquéza,
Minha tudo ancuza na vida
Tera di Nómi Sánto
Qui Mai di Deus, co tèrnura,
Cubrí co Su quimám di séda
Vôs já conservá até hoze,
Livrado di sujidádi,
Tudo puréza di vôsso alma."
Ilustres primos da lezíria
Sabeis o que é a saudade? Sabeis, claro. Também eu... Portugal é maior visto de fora. A terra da D.Maria, na Cova da Beira, que ignorava onde era o cú de Judas, é bonita de se ver. Montem, pois, no vosso cavalo, ponham os pampilhos ao alto, respirem fundo e oiçam de um Eça, sujeito, no estrangeiro, à tirania do código consular, parte de uma carta que de lá escreveu:
"Ah! as mesquinhas preocupações destes sentimentos! Ah! o terrível preço de uma camisa! Ah! o mau vinho! E os sujos hotéis! E as pintadas mulheres! Detesto-a, esta cidade esverdeada e milionária, sombria e ruinosa - este depósito de tabaco, este charco de suor, este estúpido paliteiro de palmeiras! Ah! meu amigo - quem me dera a Rua dos Caetanos!"
Muito obrigado".
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