"Somos um país de ilusionistas. Não temos coelhos, destruímos as coelheiras todas mas não falta por aí quem tire do chapéu sempre mais um...
À falta de capacidade para inventar a criação, respondem os artistas contratados como sempre novos e mais espectaculares números em que o mesmo coelho, ou, quando muito, dois ou três, aparecem e reaparecem de acordo com as exigências do público, que esquece tudo para assistir a estes truques.
Vivemos todos a grande ilusão, esquecendo que nas coelheiras da nossa quinta já nada resta e que os coelhos que agora nos apresentam multiplicados são sempre os mesmos e de importação.
E não me venham dizer que os ilusionistas são gente sem escrúpulos. A sua profissão é esta, é isto que eles sabem fazer: não se lhes pode levar a mal que tenham destruído as coelheiras. Não é legítimo pretender agora que os ilusionistas sejam formados em pecuária. Um ilusionista - ilude. Não trata de coelhos.
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Os números de ilusionismo, dizem os que sabem, são tanto mais perfeitos quanto maior naturalidade tiverem e não se pode dizer que o espectáculo a que temos vindo a assistir seja de má qualidade, enquanto criador de ilusões.
Entretanto, - e os ilusionistas sabem-no bem - julgo que há, nesta altura, uma certa insistência nos mesmos truques que está a cansar os espectadores que ainda se mantém na sala. Penso que é altura de mudar de artistas e, consequentemente, de números. Começa a haver uma ânsia muito grande em conhecer como é que se faz o truque do coelho e outros. E, é sabido, o ilusionismo visto por dentro perde graça.
Antes que tal aconteça, por saturação do Exmo. Público, há, pois, que pedir à direcção do espectáculo que tire os ilusionistas da cena e faça entrar os artistas que se seguem.
Mas, por favor, os palhaços ainda não. Por mim, falta-me vontade de rir."
* 1977 - in "À Sombra da Minha Latada", de M.A.
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