Mal saí do Infante D. Henrique, acabado de aportar no Mindelo, meti-me num táxi com a Rosa, minha companheira de cruzeiro, e pedi ao motorista que subisse, subisse sempre para o deserto das serras...
- Mas "aí" não há nada...
- Leve-nos, por favor. Queremos ver o nada...
E já o carro bufava por todos os lados, montanhas descampadas acima, quando, de repente, gente à vista, parámos.
- Onde é que vão buscar água para beber?... - perguntei à anciã que descobrira ao longe.
- Cavamos, cavamos sempre... Vem lá do fundo... A gente tem que matar a sede, não é?!... É precisa muita, muita força para lutar.
- Vive só?
- Sim.
- Como é que se chama?
- Antónia Maria Brito. 80 anos.
- Linda idade! Só com o céu, a terra ... Cante-nos uma morna, por favor...
- Não sei cantar!... Ai Jesus!...
- Vá, uma morna...Eu sei que o povo de S. Vicente...
- Não sei cantar...
- Vá... só uma...
E Antónia Maria Brito, com aquela voz dolente que a defendia da solidão, cantou... Cantou sem nos ver a lágrima que se soltara...
Está gravado, "vê-se" na voz e resume "o que se passou": as falas, a paisagem-desafio. A saudade que ainda hoje não me larga, daquele tudo feito de quase nada, que agora me deu para ir buscar às profundezas do que foi...
- Tudo seco... É uma pena!
Nas mornas a síntese, o olhar para o longe que um dia se espera alcançar no fundo da alma...Ou da terra onde a água às vezes aparece como se fosse suor acumulado ao longo de séculos...
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