quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Apologia das autárquicas *

Talvez não venha a propósito, talvez possa ser, até mesmo, "politicamente incorrecto", mas...

"Que me desculpem os homens e mulheres da Grande Política, mas desde que a democracia assentou arraiais entre nós, as eleições de que mais gosto são as autárquicas.

Para mim, cidadão comum, nem legislativas, com tudo o que prometem de impostos a prestações suaves, nem presidenciais com todo o respeito e autoridade que devem encerrar. Para mim, cidadão comum, quem me fala de eleições e me tira uma autarquicazinhas, tira-me tudo.

Atrevo-me mesmo a dizer, se os espaços temporais entre dois mandatos, em sempre possível e nova revisão constitucional, puderem, neste caso, ser encurtados, ficarei encantado, apesar do actual argumento de que obra que se veja carece de vários anos para execução.

A verdade, porém, é que, sempre que se avizinham eleições autárquicas, Portugal movimenta-se e não há lugarejo deste nosso "velho rincão lusitano" onde não surja melhoramento caça-votos. É uma alegria!...

Já aprendi a táctica: quando se aproxima este tipo de "ajuste de contas", escrevo à edilidade a fazer as minhas, bastas vezes, recalcadas reclamações e, em regra, é um ver-se-te-avias. Falta um banco de jardim? Vem o banco de jardim; há lacunas na recolha do lixo? Reforça-se o serviço...; escasseia a chamada animação cultural? Organizam-se umas exposições de artes plásticas e toca a banda da Arrentela no coreto lá da terra; costuma faltar a corrente eléctrica à hora da telenovela? Põe-se toda a gente a dar à luz... É, na verdade, um festival!... Sobretudo se, como eu, o respeitável e atento munícipe tiver o cuidado de reclamar coisas que dêem nas vistas...

Esgotos, nunca! Esgotos não devem ser exigidos em vésperas de autárquicas. Como dizia um amigo meu, antigo governador civil de um distrito alentejano, comentando a acção das câmaras: "Essa história de esgotos é benefício que não se enxerga...".

Logo, digo eu, deve evitar-se qualquer solicitação deste tipo, por muito justa que possa parecer.

Agora para tudo o que, ficando à superfície, esteja claramente à beira da estrada e seja visível pelo Exmo. Eleitorado, é a altura...

Donde, a meu ver, repito, quanto mais autárquicas melhor: pelo menos, a gente sempre vai esquecendo as grandes agruras que giram à volta de umas legislativas ou de umas presidenciais... Com a vantagem de, nas autárquicas, no caso de não cumprimento, termos sempre à mão de semear a reconfortante possibilidade de recurso para o...supremo...supremo bem, com o qual, às vezes, o Zé quase parte o braço a si próprio - à vista do destinatário seu vizinho..."

* in "A Tarde" de 2.12.1985.

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