quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Bissau 1980 - um filme clandestino

- Onde é que posso comprar o livro de leitura da primeira classe para ver como é que eles aqui ensinam as crianças? - perguntei a um compatriota nosso mal cheguei a Bissau.

- Não se preocupe que eu vou ver se arranjo um. Em último caso, tenho muito gosto em lhe oferecer o do meu filho. Descanse que não saírá de cá sem saber o que dizem de nós aos miúdos... Mas, entretanto, prepare a sua máquina de filmar para amanhã, que eu, depois do pequeno almoço, levo-o aí a ver umas coisas...

Fico em alvoroço.

No dia seguinte, de acordo com o combinado, o meu anfitrião procura-me, de facto, muito cedo, no hotel:
- Venha depressa, antes que sejam horas de eu entrar no serviço.

Convida-me, então, a subir para um "jeep".

- Traz a máquina, não é verdade?!... Então tome nota: quando pararmos, não saia do carro que eu procurarei estacionar de forma a facilitar-lhe o trabalho.
Tem é que ser rápido e filmar daqui.

Oiço atentamente as instruções e, ardendo em expectativa, sento-me, à frente, ao lado do meu interlocutor.

Não sou capaz de descrever as ruas por onde o "jeep" se meteu. Sei que nos afastámos do centro de Bissau, mas, de momento, não consigo reconstituir mais nada. Lembro-me apenas que, na altura, me senti vibrar dos pés à cabeça. As falas, essas, tolhera-as a ansiedade.

Foi o meu amigo que, já próximo do local de destino, entendeu quebrar o silêncio:

- Vou  mostra-lhe uma lixeira...

"Lixeira?", interroguei-me, sem dizer palavra.

Avançamos a vinte quilómetros à hora. Até que...

- Chegámos! Repare!... Aí tem o livro da primeira classe... Filme!...

- Mas ... mas isto são estátuas de portugueses... Autênticas!

- É como vê...

- No lixo?!...

- No lixo.

Suspendo a respiração.

- Em Goa, puseram-nas num museu ... - recordo, na atrapalhação do inesperado

- Vá, vá, filme depressa que a seguir falamos...












NOTA: os portugueses, em África, não conseguiram ser africanos ou os
africanos, ali, não nos entenderam?...

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