quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Luandino Vieira

Grande Prémio (1965) da Novelistica, da Sociedade Portuguesa de Escritores - Lisboa, LUUANDA, de Luandino Vieira, está nas nossas estantes (agora sem pidescas perseguições) desde a segunda metade dos anos 60, do século passado (em edição brasileira, sabe-se porquê...).

Revejo-o agora sem ter que "andar fugido" - mas, confesso, estou triste (éramos assim?...) .

"- Já sei, já sei. Não digas mais! Vens pelo anúncio, não é? Anda para aqui. Xico, oh Xico! Traz o bloco!

O rapaz da farda veio nas corridas trazendo um bloco de papel e um lápis e ficou na frente de Zeca Santos, um pouco com cara de gozo, à espera. O homem magro observou bem Zeca Santos nos olhos e desatou a fazer perguntas depressa, parecia queria-lhe mesmo atrapalhar: onde andou, o que é que fazia, quanto ganhava, se estava casado, qual era a família, se tinha documentos, se tinha instrução primária, se era assimilado, se tinha ainda carta de bom comportamento dos outros patrões e muitas coisas mais, Zeca Santos nem conseguia tempo para responder completo, nem nada. E no fim já, enquanto Zeca tremia de frio com aquele ar do escritório e o vazio da barriga a morder-lhe, pondo a voz de todos a fugir, longe, cada vez mais longe, o homem veio na frente dele para perguntar, arreganhador, olhando-lhe na camisa, nas calças estreitas, com olhos maus, desconfiados:

- Ouve lá, pá, onde nasceste?

- Nasceu onde? - repetiu-lhe o contínuo.

- Catete, senhor!

Nessa resposta o homem assobiou, parecia satisfeito, e bateu na mesa ... enquanto tirava os óculos, mostrando os olhos pequenos, cansados.

- De Catete, enh! Icolo e Bengo?... Calcinhas e ladrões e mangonheiros! E ainda por cima, terroristas!

Põe-te lá fora, filho dum cão! Rua, filha da mãe, não quero cá catetes!

Zeca Santos nem percebeu mesmo como saiu tão depressa sem dar encontro na porta de vidro, a cara do homem metia medo, parecia tinha ficado maluco, bêbado, todo encarnado a mostrar-lhe com o dedo, ameaçando-lhe, pondo-lhe insultos e todas as pessoas que estavam passar olhavam o rapaz baralhado, banzado, quieto, a levar encontrões e pisadelas, um miúdo pôs-lhe mesmo uma chapada no pescoço e o homem, na porta, continuava com as palavras dele:

- Icolo e Bengo, enh! Filho da puta, se aqui apareces mais, racho-te os chifres!

Mas de repente, vendo todos nos passeios começarem a parar, perguntar saber os casos, Zeca Santos sentiu um medo a avivar-lhe no coração, um aviso parecia tinha dormido e acordava no meio do perigo, no escuro, ao ver a ameaça e, com fome a pôr-lhe riscos encarnados na frente dos olhos, desatou nas corridas pela rua da Alfândega, para arquivar na confusão de pessoas, na Mutamba."

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