terça-feira, 10 de maio de 2011

Canteiro de palavras ( XIX) - Ao Plátano de Portalegre

"Quando para minha consolação e refrigério eu me desvio da estrada em que sucumbo de fadiga mordido pelo sol, e vou descansar um momento à sombra de uma árvore, não pergunto se essa árvore dá pêras ou se dá pilritos, se da sua resina se pode extrair um bálsamo ou um veneno, se dos seus filamentos se pode entrançar uma corda para o sino ou um baraço para a forca, se do seu tronco se podem serrar as pranchas para construir a arca ou para armar o patíbulo.

A única coisa que lhe pergunto é se ela tem, para ma dar, uma boa sombra fresca, macia, aromática; e se a tem, eu, que nesse momento não sou um negociante de produtos alimentícios, nem um madeireiro, nem um químico, nem um engenheiro construtor, mas sim um caminheiro prostrado, eu declaro, não só em nome de Deus, que essa árvore é boa, é útil, é necessária - não pelos materiais que ministra, não pelos frutos que produz, nem pelas substâncias que segrega, mas única e simplesmente por uma condição imponderável, da qual em dada crise pode depender o meu destino inteiro e toda a minha vida; e essa condição é a de se interpor no espaço entre mim e o céu, e projectar sombra."

Ramalho Ortigão in "As Farpas" IX

2 comentários:

  1. É uma delicia este texto que escolheu!. Obrigada pela oportunidade que me deu de o ler exactamente neste momento.
    Um abraço
    Marta

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  2. Que bom sabê-la desse lado! Temos que trazer, pelo menos, os clássicos para o nosso acidentado horizonte.Um abraço frondoso.

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