" - E Jesus que não vem!
Já muitos o viram. É um pobre - é um pobre de pedir -, é um fantasma. Ninguém sabe dizer como é esse vulto que desaparece na volta dos caminhos. Não traz sacola, e não passa talvez duma sombra. O seu silêncio mete medo. Viram-no, e quem o vê fica atónito como o Manco, que anda desvairado pelo alto dos montes, a desafiar o vento com um pau e a pedir lume ao fogo dos relâmpagos.
Viu-o o Senhor José, espesso como granito, que nunca pôde comunicar comigo. Viu-o e calou-se. Mas sei que viu o Pobre, porque se pôs a olhar para mim duma maneira singular ... E o Manco teima e diz, com a ponta do cigarro requeimado ao canto da boca:
- Jesus Cristo há-de voltar para nos dar a terra.
- Voltar?!
- Os pobres hão-de ser sempre pobres.
E o Fortunato:
- Sempre. Sem pobres acabava-se o mundo.
- O mundo é dos probes!
Acodem os jornaleiros secos e ressecos, as velhas das cabanas e outros - lá dos altos, para ouvirem o Manco. À noite, nos sítios ermos, juntam-se em bando o Ai-Jesus, o Ladrão, o Seringa, o Abelheiro e alguns tipos escalavrados, e todos eles o querem ver e ouvir.
- Vi-o!
Também a senhora Emília, cada vez mais apagada e humilde, o espera com o olhar que revela um peso insuportável.
Sentada no lar, não tira os olhos do Fortunato. Vai-lhe falar? Não se atreve. Não bolem, ele negro e curvado, ela em frente com a boca sumida e as cinzas frias ao meio dos dois a separá-los. Amar não é nada. Amar na dor e na desgraça é que é a lei suprema da vida."
* Raúl Brandão in "O Pobre de pedir"
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