terça-feira, 7 de junho de 2011

"O POETA" - livro a haver ( VI )

"(...) Os assentos do século XVIII registam-na como tendo em abundância castanhas, pam e azeitte: e assinalam que, ali bem perto, nas margens do Zêzere, se dam milho, feijões, nabais, trigos, mas nada dizem a propósito da titularidade desses frutos. Os testemunhos orais que ainda hoje é possível recolher pouco adiantam a tal respeito. Fala-se muito na bondade de algumas famílias que por lá medraram, mas não consta que a abundância natural tenha sido alguma vez a face mais saliente da aldeia.

Contudo, a memória perde-se na historicamente recente da Primeira Guerra Mundial. Aliás, os homens evitam falar do passado. Para eles tudo começa depois, talvez por terem andado de terra em terra, desde meninos, com o saco às costas. Porém, foi assim que aquelas vidas se iniciaram: na procura desesperada de formas de sobrevivência, aproveitando instintivamente as lãs em que a região dava mostras de ser fecunda, mercê do clima e da sua configuração física.

A certa altura, o povo chega a dividir-se entre os que, enxada à costas, se pespegam à beira do mercado do Tortosendo aguardando o contrato de trabalho que tarda, e aqueles que, caminho fora, penetram em vilas e aldeias em busca de trapos e coisas velhas que os outros não querem. Em casa ou, nas lojas de uns quantos, ainda vão ficando as mulheres em teares manuais, como que compondo enormes e coloridas partituras de pura lã, no monótono mas bem ritmado tão-badalão das lançadeiras que não cessam de cantar desde que o sol é nado até que, sobre as oliveiras, se começam a fazer sentit as agruras da noite que, sem luz, não dá centeio.

Os filhos - à escola poucos foram - apanham na estrada os excrementos dos animais que passam, com que hão-de fertilizar o chão, e roubam nas fábricas de têxteis das redondezas os farrapos que, no final, agregam aos que, os da casa, após dia longo, trouxeram dos confins do mundo. Se a fiação não é emprego para todos, ao menos que seja fonte de rendimento indirecto para os que ficaram à porta ...

A aldeia, devota do Glorioso Mártir São Sebastião ("ai meu Glorioso Mártir São Sebastião, livrai-me de fomes, pestes e guerras"), se já não tem quarenta vezinhos, como rezam as crónicas e o atesta o senhor cura Abranctes Pintto no ano da graça de 1758, também não se pode dizer que seja grande quando José nasce."

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