quarta-feira, 20 de julho de 2011

Crise * ( II )

"Estaremos em face de uma Renascença espiritual?

Estamos tão desnacionalizados que devemos estar renascendo. Para os outros povos, na sua totalidade eles-próprios, o desnacionalizar-se é o perder-se. Para nós que não somos nacionais, o desnacionalizar-se é o encontrar-se. Apesar dos grandes obstáculos à nossa regeneração - todas as doutrinas de renegeração - estamos no início de tornar a começar a existir. Chegámos ao ponto em que colectivamente estamos fartos de tudo e individualmente fartos de estar fartos. Extraviámo-nos a tal ponto que devemos estar no bom caminho. Os sinais do nosso ressurgimento próximo estão patentes para os que não vêem o visível. São o caminho de ferro de Antero a Pascoaes e a nova linha que está quase construída. Falo em termos de vida metálica porque a época renasce nestes termos. O símbolo, porém, nasceu antes dos engenheiros.

Nada há a esperar, é certo, das classes dirigentes, porque não são dirigentes; e ainda menos da proletariagem, porque ser inferior não é uma superioridade. Com razão lhes chamei eu, a estes subgente, num artigo da antiga "Águia" - da "Águia" que voava. Só a burguesia, que é a ausência da classe social, pode criar o futuro. Só de uma classe que não há pode nascer uma classe que não há ainda. Seja como for, avancemos confiadamente. Todos os caminhos vão dar à ponte, quando o rio não tem nenhuma."

* De uma entrevista concedida por Fernando Pessoa em Outubro de 1923. Mais passagens em breve.

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