Um dia, não me lembro pela mão de quem, visitei o Colégio Universitário Pio XII, em Lisboa. A partir daí, durante anos, passei a ser sua visita obrigatória e amigo pessoal do padre Joaquim António de Aguiar, seu fundador. Lá acabei por, além do mais, fazer com um tal amigo e senhor Cunha Rosa, durante meses, a revisão de um livro e não sei que mais, mas sempre a apertar o abraço inicial.
Que, finado o saudoso Padre Aguiar, continua, agora de forma indirecta, com a leitura regular, de ponta a ponta, do jornal do "seu" Colégio, que, há anos, regularmente, me é enviado para casa. Acabo de o receber. São, como sempre, creio, 12 páginas A4, que leio de ponta a ponta, concorde ou não, com as opiniões expressas, em particular, pelo seu actual director, padre António de Araújo Oliveira, cujos editoriais muito aprecio, de resto.
Vou transcrever na integra o último desses escritos. Sobretudo porque penso que pode ser base para reflexão. Sabendo que reflexão não obriga, como é óbvio, a aceitação...
Com a devida vénia, pois ...
"De Dante a Kierkgaard, de Ortega y Gasset a Teixeira de Pascoaes e de Gaudi e Rouault e Marc Chagall, constatamos que muitos escritores, filósofos, artistas passaram pela experiência da "nostalgia de Deus" que, para muitos, se converte em "procura de Deus".
O escritor russo Dostoiewski usa expressão mais crua e confessa ter sofrido toda a vida com o "tormento de Deus". Ao seu irmão, em 1839, escreve: "O homem é um mistério ... Eu estudo esse mistério, pois quero ser homem". De facto, o homem é um ser problemático e questioná-lo, arrasta consigo o problema de Deus, porque ambos estão ligados, como já defendiam os grandes filósofos gregos.
Para muitos, caso de Sartre, B. Russel, Nietzche ..., Deus é adversário do homem e está morto. Só que mesmo nestas circunstâncias, a ânsia e o tormento interior permanece. É o caso do próprio Nietzsche, símbolo do ateu modelar e convicto defensor das teses da filosofia da morte de Deus. Mas Deus foi o único problema que o atormentou de maneira tão obsessiva e que o levou à loucura. Quem o afirma é Lou Andreas - Salomé, inteligente e culta, sua companheira durante anos: "Toda a evolução de Nietzsche é consequência da sua precoce perda da fé religiosa ... pois o seu instinto e nostalgia de Deus não suportou a falta de divindade." Mais tarde em conversa pessoal, desabafa ele: "Para onde corremos quando se percorre todo o caminho?... Não haverá que voltar à fé? Talvez à fé católica?"
O ateísmo tem, tantas vezes, consequências cruéis e desumanas, porque, sem Deus, tudo é vão e se desfaz no nada. "Aquilo que espanta, conclui o filósofo francês Jean-Luc Marion, não é tanto a nossa dificuldade em falar de Deus, mas a nossa dificuldade em esquecê-lo".
Há os que acreditam e têm dúvidas, sentem a "nostalgia de Deus" e procuram-na. Porque ter fé não é ver, é acreditar, é passar pela experiência da presença-ausência e palavra-silêncio. O profeta Isaías protestava: "Sois na verdade um Deus escondido". Muitos, de facto, encontram-no revelado em Jesus Cristo. Foi o caminho de Mauriac, Paul Claudel, Unamuno, Papini, Julien Green, Gaudi (místico da arquitectura), Chagall (a sua arte manifesta paixão por Cristo), Kafka. Este confessava: "Cristo é um abismo de luz. É preciso fechar os olhos para não cair".
Na literatura portuguesa pressente-se essa busca: Leonardo Coimbra, Antero, Sampaio Bruno, Torga, Régio, Teixeira de Pascoaes ...
Perante o mistério de Deus, o enigma do ser, a solidão do homem, não deixa de ressoar a provocadora pergunta de Cristo: "E vós, quem dizeis que eu sou?" Só há duas opções: a recusa e o absurdo da existência ou a fé e a luz da vida. Pois Cristo é o lugar onde Deus e diz e se dá."
Pe. António de Araújo Oliveira
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