sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Natércia Freire

Deixou-nos em 1985, ostracizada pelos primeiros tempos do 25 de Abril. Lembro-a por algumas razões muito particulares:


 - porque era uma mulher muito bonita, simpática e sorridente;


 - porque era casada com o médico de trabalho do Diário de Notícias, Dr. José Isidro dos Santos, a cujos cuidados o meu físico ficou a dever algumas atenções;


- porque era muito, muito amiga, amississima de Augusto de Castro, em cujo gabinete, no Diário de Notícias, era frequente vê-la;


- porque sempre li no mesmo Diário de Notícias tudo o que trazia a sua assinatura.





Recordo-a hoje com um poema seu, publicado numa antologia das mulheres poetas portuguesas:


O ROSTO QUE NÃO TEM ROSTO


Eu tinha uns olhos de neve
no tempo do vendaval;
sob os olhos, flores geladas;
por sobre o espelho tremente
finas bagas de cristal.


O tempo do vendaval
governa ainda os meus dias.
E um arrais de neves frias
põe cansaços de metal
nas doces melancolias.


Nas noites de lume fosco
sobre a água corredia,
um rosto que não tem rosto
e que se esfuma no dia
preside ao branco cenário
de uma única harmonia ...


Vendaval de mãos frias:
deslaça-me estes cabelos,
abre-me os braços sem elos,
faz de mim águas sombrias,
sem canto de rouxinóis
nem folhagem protectora,
nem melodias de aurora,
nem mansos beijos de sóis.


Inunda-me estes ouvidos
de raízes muito velhas;
põe longe as festas vermelhas
que eu tive nos meus sentidos
e de uma vez para sempre
livra-me toda de mim.

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