O calor que me aquece os pés fui eu que o provoquei feito gás em botija à espera de fósforo, comprado mal senti na cara o frio que me chegava de uma serra da Estrela pespegada a ver-me estacionar do outro lado de outras serras.
Sentei-me no mocho que lá ficara do tempo das rugas que contavam histórias à lareira, agora apagada, e diziam graças mil vezes repetidas.
Estremeci.
Que será feito daquela oliveira que escorria azeite espremido como quem ordenha?
Por onde andarão os chocalhos que, de dia, faziam parte, juntamente com o vento e as vozes das raparigas, das festas do campo?
Onde meteram a roda que minha mãe punha a cantar, lá em baixo, num Zêzere nascido na maternidade serrana?
O que fizeram aos apitos dos combóios que nos ajudavam a acertar relógios?
Quem é que inventou as maquinetas que dizem que lavam e nos silenciou os cantares que nos chegavam da beira-rio?
Que odores são estes que em nada se assemelham aos que nos traziam as flores do campo?
Que trajar vem a ser este que já não nos permite adivinhar roupas brancas e muito mais coisas?...
Que ar é o que nos obrigaram a respirar e que cheira a máquinas e, imagine-se, dizem que se avaria?...
Que fizeram dos teares que provocavam cantigas e pariam as lindezas do trajar?
Onde se meteram os músculos que, ao fim da tarde, suados, nos passavam à porta rodeados de pedaços de campo?
Que fizeram do estrume que, nesta altura, cheirava a Presépio?
O que será feito do velho meio quartilho nas tascas da beira-estrada?
Porque será que agora só se pode rezar na igreja da aldeia quando o senhor padre manda tocar o sino?
Oh, meu Deus! Como está tudo mudado ... Nem uma desordem, peito contra peito, nada!... Diz-se que o que agora são lutas intestinas ...
Intestinas?... Está certo: do que, pessoalmente, tenho saudade é dessas, daquelas que nos obrigavam a limpar (com a vossa licença...) o cú com urtigas e outras folhas do campo, no bidé da Natureza, para que nada se perdesse...
"Olhai os lírios do campo!"
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