domingo, 15 de janeiro de 2012
Geografia - Aguarela Italiana 1
Amável e generosamente saudada pela Embaixada da Itália em Lisboa, a crónica que se segue soltou-se-me, verdadeiramente, da emoção de uma viagem em família, e não quis ser mais do que isso - numa altura em que a NET era, quando muito, coisa de laboratório e a "eternidade" do que se escrevia não passava dos conhecidos e eventuais convívios com a rataria e outros frequentadores de arquivos, apenas mais ou menos incomodados pelos morcegos de serviço.
Não é que o que um fulano escreve, sobretudo, um fulano que não "viva disto", considere que é na escrita que alguém se eterniza ... Não! Pelo lado que me toca, que por cá ando a léguas dos Saramagos, já fico feliz quando um fulano qualquer diz que me leu - agora, aqui.
Escrevo isto pelo seguinte: tentativa de reforçar quanto me foi grata a cartinha da Embaixada da Itália - tão grata que, emocionado, tolhido pela emoção, só hoje, passados anos, lhe agradeço palavras e gesto, feliz, muito feliz por, enquanto destino turístico possível, não ter precisado das minhas palavras para continuar a ser aquilo que, pelos modos, é, desde a primeira coluna que ergueu séculos e séculos antes de Berlosconi.
AGUARELA ITALIANA (em 4/5 "episódios", que os leitores "desta coisa" são do ai que bom vai ser, não foi ...)
"Tenho a cabeça às voltas. Os miolos em turbilhão. As andanças e o belo. Regressei ontem de Itália. Por cada coluna de Roma antiga dei uma volta para não perder nada do que cada molécula de pedra tinha para me contar. À roda do Coliseu andei, andei vendo arcos e lendo História. Depois, de nariz no ar, fui à
Capela Sistina e procurei reter o que Miguel Ângelo fez. Aqui não resisti e disparei o "flash" contra as proibições anunciadas. Julgo que fixei em "slide" o "essencial" e na cabeça o resto. O resto, que é como quem diz, a visão esmagadora de um tecto repleto de figuras esculturalmente pintadas, que só Florença - a perene, perturbou na memória.
Entretanto, fiz-me passar pelo meio da guarda de honra de Césares vários, austeros, em pedra e de olhar duro e frio. Passei aliviado: na maior parte dos casos não tinham braços e, quando os tinham, faltavam-lhe os dedos. Nenhum polegar havia, pois, para me condenar, não obstante ter nessa altura visto o Papa e cantado em coro em S.Pedro.
Fui assim às catacumbas em longa peregrinação pedestre, não em fuga, mas em meditação. Roma sem leões à solta. Roma sem chamas. Sem Calígulas à vista. Com Neros em pedra. Gelados. Sem poder de intervenção. Olhando impotentes ruínas e manifestações públicas. Assim meio vestidos ou mesmo nus - nus, não, que não é coisa para Césares, mas para outros libertinos da época, que se deixaram petrificar tal como vieram ao mundo, isto é, em nu excitante para as jovens e belas romanas que nos parques acolchoados de verde, imitam as antigas amantes da velha Roma em seus leitos orgíacos (...)"
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