"( ... ) Vir de Roma, ter estado em Florença, chegar a Veneza. Veneza - S. Marcos? Veneza - Palácio Ducal? Sim, S. Marcos - tesouro. Palácio Ducal - Tintoretto. Palácio Ducal - Sala do Colégio. Palácio Ducal - Ponte dos Suspiros. Sim! Mas Veneza é mais. Veneza é assim um brinquedo a boiar donde vem, quando a noite fecha o dia, o cantar dos gondoleiros e o gemer dos violinos de S. Marcos.
Ir daqui para Milão, querendo permanecer como que sonhando, só se for para fechar os olhos até entrar na Galeria Vittorio Emanuele e aparecer frente à catedral. Perde-se então a vista em tamanha beleza gótica. Inúmeras agulhas apontam para o céu, como que apelando para uma cada vez maior paz social na capital do trabalho de Itália. Entra-se e os vitrais dominam-nos os olhos e fazem-nos esquecer os minutos que passam na cidade que fumega.
O Sforzesco é local de permanência demorada, mas Milão não é para ver. Milão é para trabalhar. Milão é bigorna. É aço. É chaminé de Itália. Os monumentos de Milão são fábricas. Veneza, de quando em quando, cheira a águas podres. Milão cheira a suor. Em Roma, fala-se em greve. Em Milão, faz-se greve. Para Milão não há sono. Nem sedativos. Se folga, ouve Verdi, mas de seguida trabalha outra vez, e mais outra, e sempre. Por isso anda pálida. E suja. E rabujenta. Milão, na minha ideia, deveria , de tempos a tempos, ir a Veneza. Viajava de combóio até Génova, via rapidamente o porto e embarcava no Michelangelo para ir por ai abaixo a desentoxicar, percorrendo a costa, reentrando em terra sempre que lhe parecesse para, pelo menos, ver de Miguel Ângelo mais do que, no Sforzesco, a última Pietá, todas as Primaveras de Itália, todos os frescos que, se morassem dentro de si, talvez não tivessem resistido aos fumos da chamada civilização industrial de que é escrava.
Amamentar em Roma, estudar em Florença, trabalhar em Milão, folgar em Veneza. Viver em Itália. Sonhar em Portugal - à beira-mar plantado.
Tenho os miolos em turbilhão."
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