quarta-feira, 25 de abril de 2012

Anatomia das ideias (0021) - o 25 do quatro

Duas vezes, meio ensonado, peguei no telefone e, primeiro, um colega, depois um ex-colega, disseram-me que havia uma revolução em Lisboa. Lavei a cara e liguei o rádio e a televisão para saber ... O calendário, silencioso, tinha impresso 25 de Abril de 1974. Agora, anos passados, o que sei, não sei se sei ... Por isso, proponho a Sala de Anatomia ... Anatomia das ideias. Porque a Liberdade o permite.

FRANCO NOGUEIRA
"(...) Numa sociedade portuguesa que se afundava em dúvidas e frustrações, Salazar aparecia com um pensamento autónomo, propunha certezas, sugeria ideais redentores. Dava a sensação de um homem de fé, de princípios, de carácter."

MARCELO CAETANO
"(...) Não houve, nem podia haver, rotura com o passado próximo. Eu tinha de executar a Constituição vigente, largamente programática, isto é, contendo numerosos preceitos onde se condensava a doutrina do Estado, e de me conformar com as instituições por ela criadas e reguladas. E nisso não fazia sacrifício.

Mas no meu discurso de posse logo preveni que na vida a continuação não pode deixar de ser adaptação, renovação, evolução. Era forçoso, após tão longo período de governo dominado pelo génio de um homem, o País adaptar-se a ser governado por "homens como os outros", e proceder-se a uma vasta revisão que abrangesse objectivos e métodos, para suprimir quanto estivesse caduco, vitalizar as boas iniciativas esmorecidas, lançar e ensaiar outros processos."

ANTÓNIO SPINOLA
"(...) Haverá então que cuidar do pacto social, em ordem a reequilibrar a balança dos fluxos entre cada Português e a Nação, restabelecendo uns laços, reforçando outros, procurando que cada cidadão se sinta melhor vivendo os seus e à maneira dos seus, em cuja vida participe com pleno direito de expressão, sentindo nas próprias abdicações actos determinados pela sua consciência, e investindo assim, voluntariamente, o seu esforço em favor de um futuro melhor. Mas para tanto é necessário que esse futuro lhe seja claro, que o investimento se lhe revele rendível pelo menos a médio prazo e que a sua integridade como pessoa livre não seja afectada por dogmas definidos à margem da sua opinião."

HUMBERTO DELGADO
"(...) O Dr. Salazar acredita que a geração mais nova está em grande parte a tornar-se comunista. As Forças Armadas e outras classes reaccionárias não consideram o Comunismo à maneira das grandes democracias, continuando a olhá-lo somente pelo lado mais negro.

No entanto, as Forças Armadas e outras estúpidas classes reaccionárias deverão compreender que quanto mais tempo o Dr. Salazar continuar no poder, mais Comunistas haverá. Digo-o, não porque seja Comunista, que não sou, mas porque não deixei embotar o meu cérebro pelos trinta e três anos de reinado de Salazar. De vistas modernas, tendo viajado e passado muitos anos entre os Anglo-Saxões, sou demasiado evoluído e tolerante para ter medo de quaisquer "ismos".

O país precisa de ser governado pela geração mais nova, de entre os vinte e um e os cinquenta anos, a chamada "terceira força". É com profunda emoção e afecto que a exorto a continuar as suas demonstrações e a tornar-se cada vez mais forte, valente e confiante na sua Causa, pois só assim incitará o país para a rebelião nacional, que virá a libertar, finalmente, o nosso povo lutador."

ÁLVARO CUNHAL
"(...) Salazar sempre atribuiu o atraso e a miséria de Portugal à "pobreza natural do país". Quem o ouvisse e acreditasse diria que a nós, os portugueses, nos coubera a pior quinhão do planeta. O solo agrícola seriam pedras e calhaus. O clima desfavorável à agricultura. Minérios e fontes de energia quase inexistentes. Nestas condições, como poderia a ditadura fazer mais do que faz?

(...) A própria evolução da economia nacional tem vindo a destruir uma a uma as "bases" da explicação. Na medida em que os capitalistas portugueses e os imperialistas estrangeiros vão aproveitando as riquezas nacionais, cada vez menos Portugal aparece como um país pobre de recursos." 

MÁRIO SOARES
"(...) O termo da candidatura Delgado, ao contrário do que sucedeu com os movimentos eleitorais anteriores, não matou a esperança de uma mudança  política, a breve trecho. Diversamente, deu um impulso novo à luta pela democratização do País, visto que trouxe ao combate muita gente nova, de todas as classes sociais. O salazarismo, pode dizer-se, sem excessiva ênfase, saiu ferido de morte dessa campanha. E não foi, de certo, por coincidência fortuita que o sucessor designado do regime, Marcello Caetano, escolheu precisamente esse momento para se retirar da vida política, mantendo-se numa reserva prudente até ao afastamento de Salazar, dez anos depois ...

O ambiente de descontentamento era tão vasto, os homens públicos do regime encontravam-se de tal forma desprestigiados, aos olhos do País inteiro, a descrença nos métodos de acção política do salazarismo (e na sua eficácia!) estava tão generalizada, que ninguém poderia admitir, com verosimilhança, que o regime sobrevivesse ainda dez anos. A conjuntura internacional parecia também favorável, reforçando este sentimento quase unanimemente partilhado."

CAVACO SILVA
"(...) Vivi os dias a seguir ao 25 de Abril contagiado pela explosão de alegria que reinava nas ruas de Lisboa, dominado pela esperança de ver implantada em Portugal uma democracia pluralista e europeia que abrisse as portas à recuperação do nosso atraso de desenvolvimento. Tinha a ilusão de que a democracia podia ser instalada sem graves perturbações. Mas rapidamente me apercebi de que o caminho político que estava a ser trilhado nada tinha a ver com a democracia que conhecera em Inglaterra nem com a dos outros países da Comunidade Europeia. Estava em curso uma tentativa de tomada do poder pelo Partido Comunista Português (PCP), visando instalar uma ditadura de esquerda e transformar Portugal num país comunista à imagem dos países satélites da União Soviética. Ao ouvir na televisão as declarações de alguns membros do Governo, do Conselho da Revolução ou dos partidos políticos, voltava-me para a minha mulher e dizia: "Esta gente não está boa da cabeça, parece um país de loucos."

ANÓNIMO
"Olhem para mim todos os ministros de el-rei, que ontem andavam a pé e hoje a cavalo; estejam atentos a duas perguntas que lhes faço e respondam-me a elas, se souberem: - Se os ofícios de vossas mercês dão de si até poderem andar em um macho ou em uma faca, quando muito, e suas mulheres em uma cadeira, como andam vossas mercês em liteiras e elas em coche? Se a sua mesa se servia muito bem com pratos, saleiro e jarro e louça pintada de Lisboa, como se serve agora em baixelas de prata, salvas de bastiões, confeiteiras de relevo?" 

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