quarta-feira, 9 de maio de 2012
Ora, Eça!
"Na acção governamental as discussões são perpétuas. Assim, o partido histórico propõe um imposto. Porque, não há remédio, é necessário pagar a religião, o exército, a centralização, a lista civil, a diplomacia ... - Propõe um imposto.
"Caminhamos para uma ruína! - exclama o Presidente do Conselho. - O défice cresce. O País está pobre! A única maneira de nos salvarmos é o imposto que temos a honra, etc ..."
Mas então o partido regenerador, que está na oposição, brame de desespero, reúne o seu centro. As faces luzem de suor, os cabelos pintados destingem-se de agonia, e cada um alarga o colarinho na atitude de um homem que vê desmoronar-se a Pátria!
- Como assim! - exclamam todos. - Mais impostos!? E então contra o imposto escrevem-se artigos, elaboram-se discursos, tramam-se votações! Por toda a Lisboa rodam carruagens de aluguel, levando, a 300 réis por corrida, inimigos do imposto! Prepara-se o cheque ao ministério histórico ... Zás! Cai o ministério histórico!
E ao outro dia, o partido regenerador, no poder, triunfante, ocupa as cadeiras de S.Bento. Esta mudança alterou tudo: os fundos desceram mais, as transacções diminuíram mais, a opinião descreu mais, a moralidade pública abateu mais - mas finalmente caiu aquele ministério desorganizador que concebera o imposto, e está tudo confiado, esperando.
Abre a sessão parlamentar. O novo ministério regenerador vai falar.
Os senhores taquígrafos aparam as suas penas velozes. O telégrafo está vibrante de impaciência, para comunicar aos governadores civis e aos coronéis a regeneração da Pátria. Os senhores correios de secretaria têm os seus corcéis selados!
Porque, enfim, o ministério regenerador vai dizer o seu programa, e todo o mundo se assoa com alegria e esperança!
- Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.
- O novo presidente: "Um ministério nefasto (apoiado, apoiado! - exclama a maioria histórica da véspera) caiu perante a reprovação do País inteiro. Porque, Senhor Presidente, o País está desorganizado, é necessário restaurar o crédito. É a unica maneira de nos salvarmos ..."
Murmúrios. Vozes: Ouçam! ouçam!
"... É por isso que eu peço que entre já em discussão ... (atenção ávida que faz palpitar debaixo dos fraques o coração da maioria ...) que entre em discussão - o imposto que temos a honra, etc. (apoiado, apoiado!)"
E nessa noite reúne-se o centro histórico, ontem no ministério, hoje na oposição. Todos estão lúgubres.
-"Meus senhores - diz o presidente, com voz cava - O País está perdido! O ministério regenerador ainda ontem subiu ao poder, e doze horas depois já entra pelo caminho da anarquia e da opressão propondo um imposto! Empreguemos todas as nossas forças em poupar o País a esta última desgraça! - Guerra ao imposto! ..."
Não, não! Com divergências tão profundas é impossível a conciliação dos partidos!"
in Uma Campanha Alegre, de "As Farpas" - Eça e Ramalho.
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