quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Prémio Literário Vitorino Nemésio ( 3 )

(continuação do Epílogo da obra premiada)

"(...) Ora em 1974 abriram-se as portas para o espaço de liberdade, mas logo elas estiveram em risco de serem de novo fechadas e agora, se isso acontecesse, seria de uma vez para sempre, pois volvido pouco tempo os silenciados de ontem começaram a dar sinal de quererem arvorar-se no silenciadores de amanhã, não já em termos de mero acidente que por se enfeitar com uns rudimentos de filosofia política se crê realidade substancial, mas em coerência com uma doutrina que elimina definitivamente a função crítica e fiscalizadora da consciência individual. Então percebeu Ulisses que muitos dos que com ele se insurgiam contra o Governo não era pelo desejo de liberdade, mas tão só porque a ditadura não era a ditadura deles.

Generalizava-se o sentimento de que todo o homem que tinha alguma coisa de seu era um explorador do povo, e, em obediência à mística que assim se formava, os empregados da empresa que sempre tinham sido amigos de Ulisses assenhoreavam-se dela e mandaram o dono apanhar gambozinos.

- Era o povo - conforme explicou um político de alto coturno - tomando nas suas mãos a gestão dos seus interesses.

Viu-se o Ulisses sem dinheiro porque todo o que tinha o investira na empresa, e sem qualquer meio de subsistência. Dirigiu-se, por isso, a vários influentes políticos que nada puderam ou quiseram fazer. Procurou então um dos manda-chuvas da revolução a quem deu conta da expoliação de que estava sendo vítima.

- Homem - disse-lhe este - você não compreende que uma revolução é isto mesmo?! Como queria você que se fizesse uma revolução?!

Das várias portas a que bateu foi sacudido como lacaio do imperialismo, e acabou por ir parar ao Brasil onde, graças a um emigrado português que aí se radicara, conseguiu empregar-se como monitor num liceu do Rio de Janeiro.

Lá tem permanecido, enfrentando as dificuldades económicas e as agruras do exílio, com a coragem e até com uma pitadinha de humor."

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