Para onde quer que nos viremos, não se pode negar, há um arrefecimento humano generalizado, aumentaram os silêncios, cresceram os apelos, directos ou indirectos, à desistência. Amor é coisa de discoteca, é uma espécie de esquecimento no meio de ruído. Há ruído na cabeça dos portugueses, de quem, de algum modo, já nem a emigração salva: a Espanha dá sinais de estar na mesma, ou pior; França já foi ... A Grécia da cultura que vem nos manuais da Humanidade está esquecida enquanto fonte de Saber. A Europa do nosso orgulho, ou lhe falta inimigo, ou, de facto, emaranhou-se nas roupagens que teceu. Inventaram, entretanto, "esta coisa" - mas logo o "chinelo" tomou conta das cabeças, transformando a amizade num infeliz e lacónico GOSTO, como se aí estivesse tudo.
E assim vamos, de desistência em desistência. A pretextos vários. Claro que há crise financeira, claro que uma vida de trabalho já não é tranquilidade final nenhuma. Acabaram os beijos por afecto, acabaram-se os abraços que partiam costelas. Há, sim, sorrisos, muitos sorrisos de conveniência, sorrisos que cresci a sabê-los amarelos. Tempo filha da puta, este, em que tudo, mas tudo, custa dinheiro. Até mesmo este abraço blogueiro, que podia aproximar, e é esquecido. Há como que uma luta, uma busca do nada ... Sem graça. Só o drama faz acordar, mas mesmo esse, pouco. Tira-se uma fotografia a um corpo que morre na estrada, mas vem a ambulância que o leva e fica tudo, entre os que viram, dez minutos depois, como se nada tivesse acontecido. A sociedade secou as lágrimas e passou a vender sorrisos. No FACEBOOK e quejandos.
Recuo a 1994 e à breve crónica que subscrevi no velho Diário de Coimbra da minha simpatia - e mais não digo.
Prece por um cão
"Num pedaço de prosa, o escárnio, o amor, a gargalhada, a tragédia, a lágrima ou a prece. Às vezes, as palavras entregues à emoção, em crónica como esta, eventualmente, apenas para minorias, por falar de cães e gatos. Crónica simples, se a ler estiver quem a tais companheiros conheça o olhar, o macio do pêlo, o aceno de cabeça e de cauda, as lágrimas com que acompanham humanos pesares, a alegria dos reencontros, o código das suas dissertações orais, toda a verdade dos gestos, a natural, a inocente denúncia dos erros alheios, o amor à vida pela vida de quem os cuida. E, por fim, o último adeus, com a inevitável saudade dos que ficam e que, por mais que procurem, não encontram, nos humanos que continuam, a profundidade do olhar daqueles que, animais de companhia, nos deixam agarrados a esta busca permanente de uma gota de doçura que - consintam que particularize - só se afigura autêntica para além do vidrado tranquilo dos olhos do cão que se nos entregou sem limites.
Uma flor, pois, para os que, em cima dos pés e mãos, morreram à beira dos amigos que seguiram. Uma prece pela alma - os cães têm alma, sim senhor!... - dos tiquetaques, bobis e outros que abalaram.
Na natureza nada se perde ... O encontro fica marcado para algures, entre silvas ou a bordo da arca das espécies, após a chuvada final."
ResponderEliminarQuerido amigo,Muito obrigado pela lúcida análise que faz da embrulhada
em que se tornou o nosso país e a Europa que sempre nos atraiu e
encantou culturalmente e para a qual, infelizmente vemos cada vez
menos soluções justas e dignas; a acrescentar, o meu amigo refere a
ausência dos abraços, da estima, da amizade...ficando esta sociedade
interesseira em que nos movemos, mas repare em nós, seremos amigos
eternos, e nunca estaremos do outro lado! Estamos presentes sim
senhor!! Assim, nós não pertencemos ao grupo dos outros, mas ao nosso
grupo que sente de verdade um abraço dos tais, nem que social e
politicamente desmoronemos!! Temos em comunhão esse enorme amor aos
animais cuja dedicação sem exigências nos marca para a vida...Essa sua
crónica é poesia em prosa, da mais pura e bela!! Envio-lhe um grande
abraço "de partir costelas" Encarnação
Querida Amiga, BEM-HAJA!!! Está aqui mal inserido por erro meu, mas está e nem sei o que dizer ... Um abraço desses ...
ResponderEliminarDesses que quebram "costeletas" ...