domingo, 9 de dezembro de 2012
Gazeta a preto e branco: África do Sul ( VII )
"5 de Dezembro de 1984
Começo do bailinho
A alvorada hoje foi às sete. Aliás, se fizéssemos a vontade ao sol estaríamos a pé antes das cinco da manhã.O certo é que o tempo não abunda e, para dar uma imagem aproximada do que sentem os madeirenses da comunidade portuguesa na África do Sul, é preciso palmilhar. Dizem-nos que são uns trezentos mil ...
Vamos ao "bailinho"
Recordemos, entretanto, o que acentuou o embaixador Willem Pretorius a um semanário do Funchal: " A África do Sul deve muito aos madeirenses que para ali emigraram a fim de se dedicarem a trabalhar arduamente na agricultura - muito particularmente na horticultura e floricultura - na faina da pesca e no comércio relacionado com estas actividades económicas. No entanto, são hoje muito numerosos os madeirenses que trabalham na África do Sul em todos os domínios da actividade humana: professores, engenheiros, arquitectos, construtores civis, médicos, banqueiros e empresários."
Posto isto, a palavra para um comerciante, um homem de negócios, ou, talvez, um daqueles que, bem à portuguesa, vendem "de tudo um pouco", que encontrámos em Boksburg, a uns vinte quilómetros de Joanesburgo:
- Acho que os madeirenses convivem pouco entre si, dado que, na sua maioria, são comerciantes e, por isso, gente com pouco tempo para se encontrar. De qualquer modo, procuramos que esse convívio se efectue durante as poucas horas livres de que dispomos.
Entretanto, aproveito para referir que, ao nível das autoridades, importaria intensificar ainda mais os contactos directos dos membros do Governo Regional com a comunidade que aqui trabalha. Também essa aproximação ajudaria a estreitar amizades. Queremos viver a Madeira no nosso dia a dia!
- Quantos anos de África do Sul?
- Vinte e oito.
- Regresso?...
- Não. Espero aqui ficar até ao fim da minha vida.
Depois, de volta a Joanesburgo (que magníficas estradas!), foi o encontro com o mecânico de aviões que "virou" torneiro ("aqui ganha-se mais nesta profissão") e o barbeiro que escanhoa quem lhe aparece no estabelecimento, mas, especialmente, portugueses ("era figaro lá e agora sou figaro cá ..."). E ainda a história de um jovem da segunda geração (27 anos de idade, casado de fresco), filho de emigrantes madeirenses, que não foi para a escola portuguesa em Joanesburgo quando os pais queriam (vergonha de ser filho de emigrantes?) e que, hoje, falando português com dificuldade, pensa fazer tudo para que filhos seus não deixem de conhecer a nossa língua "pelo menos, dois ou três meses por ano hão-de passar com os tios, em Portugal").
Atenção, senhores que mandam neste país: numa família, os pais falam bem o português, o filho arranha-o e os netos, os netos (sublinhe-se) vão retomar a língua pátria dos avós. Tudo isto a milhares de quilómetros do Portugal-físico em que nascemos.
A ida
Mas, afinal, como vieram os madeirenses para a África do Sul?
Ao que se afirma, a grande força desse como que movimento aconteceu na década de 50, via Moçambique. Atravessavam clandestinamente a fronteira desta ex-parcela de Portugal (chamou-se a esta "operação" o salto de coelho), ou por barco, até ao ao largo da Cidade do Cabo, onde se atiravam ao mar e tentavam, a nado, alcançar terra firme.Uma vez atingido esse objectivo, procuravam um amigo ou parente que lhes desse guarida, correndo, além de outros, o risco de o patrão (conterrâneo, em regra) que o acolhera, mal entrasse em desacordo, por exemplo, quanto a novas condições laborais, o denunciar como trabalhador clandestino, esquecendo, assim, amizades e parentescos.
De facto, nisto da emigração, nem tudo são beijos e abraços ... ("Quero lá saber que seja da minha terra ...")."
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