Mais uma página africana, vivida por madeirenses emigrados ...
Para que nada se perca:
"7 de Dezembro de 1984
Fiéis amigos
Há dois dias que terminou na África do Sul o ano escolar e parece não existir, como é natural, quem não esteja a pensar em férias. A fisionomia da própria cidade o diz. Talvez por isso o almoço da Academia do Bacalhau, de ontem, como de todas as quintas-feiras, tenha registado a presença de poucos "compadres". Assim mesmo, lá estavam alguns madeirenses já nossos conhecidos, a dizer que, pelo menos à mesa, somos todos a mesma gente. Enquanto houver bacalhau ... a comunidade portuguesa não morre mais ...
A excepção
- Vim de Moçambique há sete anos - disse-nos a caixa de um supermercado, assim que com ela metemos conversa. - O meu marido era motorista da D.G.S., em Lourenço Marques, e agora aqui é metalúrgico. Temos dois filhos: um já trabalha no ofício do pai e o outro anda na escola sul-africana, mas vai começar para o ano a aprender português.
- Saudades de Portugal?
- Sou de V. N. de Gaia e todas as semanas faço tripas ...
Prossigamos.
E, para que nada falte nesta gazeta, abordámos a seguir, quase sem querer, um madeirense declaradamente estúpido e malcriado, com a agravante de lhe terem chamado comendador.
- Não respondo a nada: já disse no Congresso o que tinha a dizer ...
- Podemos tomar aqui umas notas?
- Não!
- Pode, ao menos, indicar-nos qual o melhor caminho para o Consulado?
- Fica ali atrás daquele prédio ...
- Bom dia, senhor comendador!
Acontece. Regista-se a excepção.
Retomemos, tranquilamente, o diálogo com os que, por certo, representam a maioria. Neste caso, um armazenista, com quem falámos largos minutos sobre Portugal, até que surgiu a pergunta sobre os interesses madeirenses:
- Que pode a comunidade madeirense residente na África do Sul fazer pelo desenvolvimento dos sectores da agricultura e das pescas na Madeira?
- Quanto às pescas, tornar-se-ia necessário fazer um entreposto frigorífico com os respectivos túneis de congelação, cuja capacidade absorvesse, em épocas de abundância, os produtos existentes.
Nos períodos de falta, poder-se-iam importar mercadorias em trânsito, que seriam armazenadas, parte para as necessidades locais, parte para mercados exteriores. Admito que a própria África do Sul estivesse interessada no aproveitamento destas condições, principalmente se Portugal vier a entrar para a C.E.E..
É lógico que se impunha também a ampliação da frota pesqueira da Região, não sendo de excluir a hipótese de haver madeirenses aqui ligados a esta actividade dispostos a uma colaboração.
No respeitante à agricultura, é transparente que as próprias características do solo madeirense dificultam a acção. Contudo, é bem possível que, pouco a pouco, haja possibilidade de levar as novas gerações a um racional aproveitamento das potencialidades existentes que, apesar de tudo, não são tão poucas como isso.
Aliás, talvez o Governo Regional, se pudesse encarregar de enviar técnicos agrícolas às populações rurais em missões de formação e esclarecimento.
O sr. Figueiredo
Já nos tinham dito que na cidade há muitos motoristas de táxi portugueses. Chegou hoje, finalmente, a vez de conhecermos um deles: o sr. Figueiredo (o nome está escrito no exterior das portas da frente do carro).
- Boa tarde, sr. Figueiredo! - abri a saudar, provocando conversa. - Leve-me, por favor, à Kurk Street.
- Com certeza. Boa tarde!
- Então como é que vai a vida? - arremessei.
- Vai indo. E em Portugal?
- Bom ...
- Dinheiro meu é que eles não apanham ...
- Mas os portugueses daqui estão a investir na nossa terra, com força ... - retorqui.
- Sabe, eu ... eu tenho os meus parentes no Brasil ...
O diálogo foi-se animando e, entrementes, com silêncios à mistura, havíamos chegado ao destino indicado. Antes da despedida, porém, e connosco já fora do carro, ainda o sr. Figueiredo gritou, lá de dentro:
- Olhe, amanhã às seis da tarde tem onde ir?... Gostava de palestrar consigo. Apareça no bar do Hotel Joanesburgo, que param lá compatriotas nossos e a gente troca mais impressões."
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