sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Gazeta a preto e branco: África do Sul (IX)

Mais uma página africana, vivida por madeirenses emigrados ... 

Para que nada se perca:















"7 de Dezembro de 1984
Fiéis amigos

Há dois dias que terminou na África do Sul o ano escolar e parece não existir, como é natural, quem não esteja a pensar em férias. A fisionomia da própria cidade o diz. Talvez por isso o almoço da Academia do Bacalhau, de ontem, como de todas as quintas-feiras, tenha registado a presença de poucos "compadres". Assim mesmo, lá estavam alguns madeirenses já nossos conhecidos, a dizer que, pelo menos à mesa, somos todos a mesma gente. Enquanto houver bacalhau ... a comunidade portuguesa não morre mais ...

A excepção

- Vim de Moçambique há sete anos - disse-nos a caixa de um supermercado, assim que com ela metemos conversa. - O meu marido era motorista da D.G.S., em Lourenço Marques, e agora aqui é metalúrgico. Temos dois filhos: um já trabalha no ofício do pai e o outro anda na escola sul-africana, mas vai começar para o ano a aprender português.

- Saudades de Portugal?

- Sou de V. N. de Gaia e todas as semanas faço tripas ...

Prossigamos.
E, para que nada falte nesta gazeta, abordámos a seguir, quase sem querer, um madeirense declaradamente estúpido e malcriado, com a agravante de lhe terem chamado comendador.

- Não respondo a nada: já disse no Congresso o que tinha a dizer ...

- Podemos tomar aqui umas notas?

- Não!

- Pode, ao menos, indicar-nos qual o melhor caminho para o Consulado?

- Fica ali atrás daquele prédio ...

- Bom dia, senhor comendador!

Acontece. Regista-se a excepção.

Retomemos, tranquilamente, o diálogo com os que, por certo, representam a maioria. Neste caso, um armazenista, com quem falámos largos minutos sobre Portugal, até que surgiu a pergunta sobre os interesses madeirenses:

- Que pode a comunidade madeirense residente na África do Sul fazer pelo desenvolvimento dos sectores da agricultura e das pescas na Madeira?

- Quanto às pescas, tornar-se-ia necessário fazer um entreposto frigorífico com os respectivos túneis de congelação, cuja capacidade absorvesse, em épocas de abundância, os produtos existentes.

Nos períodos de falta, poder-se-iam importar mercadorias em trânsito, que seriam armazenadas, parte para as necessidades locais, parte para mercados exteriores. Admito que a própria África do Sul estivesse interessada no aproveitamento destas condições, principalmente se Portugal vier a entrar para a C.E.E..

É lógico que se impunha também a ampliação da frota pesqueira da Região, não sendo de excluir a hipótese de haver madeirenses aqui ligados a esta actividade dispostos a uma colaboração.

No respeitante à agricultura, é transparente que as próprias características do solo madeirense dificultam a acção. Contudo, é bem possível que, pouco a pouco, haja possibilidade de levar as novas gerações a um racional aproveitamento das potencialidades existentes que, apesar de tudo, não são tão poucas como isso.

Aliás, talvez o Governo Regional, se pudesse encarregar de enviar técnicos agrícolas às populações rurais em missões de formação e esclarecimento.

                                                      O sr. Figueiredo

Já nos tinham dito que na cidade há muitos motoristas de táxi portugueses. Chegou hoje, finalmente, a vez de conhecermos um deles: o sr. Figueiredo (o nome está escrito no exterior das portas da frente do carro).

- Boa tarde, sr. Figueiredo! - abri a saudar, provocando conversa. - Leve-me, por favor, à Kurk Street.

- Com certeza. Boa tarde!

- Então como é que vai a vida? - arremessei.

- Vai indo. E em Portugal?

- Bom ...

- Dinheiro meu é que eles não apanham ...

- Mas os portugueses daqui estão a investir na nossa terra, com força ... - retorqui.

- Sabe, eu ... eu tenho os meus parentes no Brasil ...

O diálogo foi-se animando e, entrementes, com silêncios à mistura, havíamos chegado ao destino indicado. Antes da despedida, porém, e connosco já fora do carro, ainda o sr. Figueiredo gritou, lá de dentro:

- Olhe, amanhã às seis da tarde tem onde ir?... Gostava de palestrar consigo. Apareça no bar do Hotel Joanesburgo, que param lá compatriotas nossos e a gente troca mais impressões."

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