domingo, 6 de janeiro de 2013

A flor que tinha sido pássaro (*)









Pouco importa onde nasceu. Com pouco mais de seis anos feitos, o que se sabe é que, ao João, apareceu há dias, inerte, caído na gaiola, o canário, seu companheiro de intermináveis conversas. Cada qual a seu jeito. 

Intrigou-o aquela morte súbita, sem história. Chorou. Chorou muito, sobretudo, quando lho quiseram enterrar no quintal.

- E agora? ... interrogou, incrédulo. - Como é? ...

- É o ciclo da natureza que se cumpre - pretenderam, eruditos, explicar-lhe.

- ???

- Abres uma cova, aí, no terreno, deitas o pássaro morto lá dentro, tapas com terra e ... e esperas ... Mais tarde ou mais cedo, vai aparecer nesse sítio, se calhar, uma flor amarela, da cor do teu canário ...

- Ó tio, posso regá-la todos os dias?

- Podes com certeza.


* 1995 in Cartas à minha neta

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