domingo, 3 de fevereiro de 2013

Gazeta a preto e branco: África do Sul ( XXII )




















"17 de Dezembro de 1984

Manhã cinzenta, tarde soalheira, noite parda

O dia hoje acordou cinzento. A conhecida Mesa da cidade está coberta de novelos de água que ameaçam desabar. Apesar disso, há uma levíssima réstea de sol que talvez acabe por alegrar a paisagem urbana. Pode dizer-se, a propósito e em sentido figurado, que é também uma réstea de sol que alimenta a disposição da comunidade portuguesa que deseja ardentemente que a sua África do Sul deixe de ser importunada do exterior e vá encontrando os seus próprios caminhos em paz e tranquilidade. Caso contrário ...

Caso contrário, e em derradeira análise, precisam de um Portugal justo e capaz de se tornar acolhedor, equilibrado, limpo, em todos os sentidos - que lhes possa vir a dar as boas-vindas, com um sorriso e os respeite como eles são. Democraticamente.

Mas, voltando ao tempo que faz, há quem diga que, quando surgem nuvens cinzentas no Cabo, em Joanesburgo o céu está muito nublado, negro mesmo. Como quer que seja, a verdade é que foi nesta última cidade que até agora sentimos maior instabilidade metereológica. Todavia, continuamos na Primavera. E isso é que é importante. África, com calor de Verão, deve ser insuportável para qualquer europeu habituado a clima temperado, mesmo que um tudo nada, por vezes, mal temperado.

Mas os ingleses é que falam do tempo quando não têm nada para dizer, e nós precisamos de continuar o "bailinho". E vai prosseguir à luz da vela ... Ou melhor, com uma conversa com um industrial madeirense de velas de todos os feitios, cores e qualidades. Dos maiores da África do Sul. Talvez o maior especialista. E - curiosidade - fundador do Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha.

- O senhor é pai e avô. Que pensa do futuro das ligações a Portugal e à Madeira no respeitante à segunda geração e seguintes?

- Sou o responsável por um grupo folclórico que há 27 anos cultiva as danças da nossa terra, de modo a manter vivas as tradições portuguesas. É também uma forma de transmitir às gerações seguintes um pouco do que somos e queremos continuar a ser.O resto, como ensaiador e dirigente do grupo que, aliás, faz questão de actuar graciosamente neste país, procuro que, desde o hino nacional até às cantigas mais simples que aprendemos nas origens, tudo seja português, sem estilização. Todavia, é preciso, do mesmo modo, estar atento ao ensino escolar da língua pátria e aí ... há muito a fazer.

A seguir a esta conversa-relâmpago, aconteceu o inesperado (ou talvez não ...): um filho deste industrial, portanto, um homem da segunda geração, que fez questão em nos levar, através de uma espectacular região de vinhas, até cerca de cento e vinte quilómetros da Cidade do Cabo (as distâncias na imensa África não significam o mesmo que na Europa ...) para um "bate-papo" com outro madeirense, dono de um hotel. Acabara, entretanto, por ficar um dia lindo dia de sol.

Uma vez chegados, o diálogo surgiu fácil, ainda que breve, na parte com interesse para os leitores:

- Como técnico de hotelaria, qual o papel que entende poderem desempenhar as comunidades madeirenses na promoção turística da região, no estrangeiro?

- Desde logo, a televisão é um veículo fundamental, como todos sabemos, mas a ida de missões convidadas de determinadas personalidades à nossa ilha pode ser da maior importância. Estou convencido de que os sul-africanos, neste caso, apreciariam a comida regional, a tranquilidade nas ruas, seja a que hora for, a beleza da paisagem, o trato pessoal dos madeirenses. Não quero, todavia, fugir à sua pergunta e dir-lhe-ei que talvez a forma mais eficaz de sermos úteis à promoção da nossa terra é produzirmos nos países em que trabalhamos ... um bom trabalho.

- Como é que um profissional de hotelaria, com uma unidade hoteleira de serviço completo, se consegue impor num mercado que deve ser exigente?

- Com honestidade, bons contactos com o público, formação técnica permanente, estudo cuidadoso da rentabilidade e ... muita simpatia.

"Muita simpatia", repetiremos nós. Notava-se, sem qualquer dúvida.

Já não era cedo quando, entre montanhas semelhantes a gigantescos serrotes desdentados e vinhedos a perder de vista (atenção Douro!...), entrámos em Cape Town, onde as nuvens se apresentavam pardacentas e, no centro, as ruas com pouca gente, embora mais do que, normalmente, à mesma hora em Joanesburgo."


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