sábado, 2 de março de 2013
Do lido, o sublinhado ( 24 )
in Húmus, de Raul Brandão
"Filho, fui eu que te criei. Sustentei-te de restos, de pobreza, de humildade. Só pensei em ti: tens, portanto, obrigação de ouvir os últimos conselhos que te dou. Olha que és o meu filho, o filho que eu criei de dia, de noite, de fome, de obediência e de sonho amargo. Criei-te para que pudesses um dia pertencer à classes elevadas. Por isso sofri, para isso sonhei, para isso desapareço, agora que cumpri o meu destino.
Filho mente. Às pessoas ricas que é preciso mentir sempre e dizer sempre que sim. Deve-se-lhes consideração, deve-se-lhes obediência. Nunca te ligues com os pobres. Para pobres bastamos nós. A pobreza pega-se, não há nada no mundo pior do que a pobreza. Tem cuidado com a língua. Pela boca morre o peixe. Nunca digas o que sentes: o que a gente sente é sempre uma inconveniência. Há pessoas que dizem: - Eu gosto que me contradigam. - Foge delas como o Diabo da cruz. O que toda a gente quer é que os outros sejam da sua opinião. Um pobre não deve ter opinião. Guarda as conveniências, acima de tudo guarda as conveniências. (...) Respeita a lei, os superiores, a Igreja, os ricos. Num caso grave da tua vida chega-te ao pé do conselheiro Pimenta e diz-lhe com humildade: - Eu sou filho da Restituta que era prima de V.Exa. - E mais nada. Não seja causa de desordem nem de escândalo. Fala baixinho, e mente, filho, mentir não custa nada. Nunca digas a verdade. Mente para seres agradável aos outros e a ti mesmo. E sobretudo, repito-te, diz sempre que sim. Não custa nada dizer que sim, dizer a tudo que sim, dizer sempre que sim.
Tua mãe, Restituta da Piedade Sardinha."
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