domingo, 8 de dezembro de 2013

Os velórios: na Natureza nada se perde ...


Respeitosamente, numa parte dos casos, entra-se na capela mortuária e reza-se ou simula-se a reza. Depois percorre-se com o olhar quem está  e avança-se: sentidos pesâmes à primeira fila, sentidos pêsames a conhecidos dispersos. A seguir, procura-se um lugar entre os circunstantes que possa, simultâneamente, ser ponto de observação de quem está e de quem chega ... Tomado recolhido conhecimento dos que estão para ficar, é altura de, discretamente, observar eventuais desconhecidos e "os mais cumprimentados"...






 Após o que, sem pressas, mas sem distracções, se impõem as aproximações laterais: quem são os eventuais "mais interessantes" fora do contexto funerário? Talvez o António que tem agora uma empresa que... Talvez o Joaquim, o Quim, que esteve um dias destes em viagem de negócios na ... Olha, está ali o Venâncio, o Zé, que já não via há muito tempo e parece que ... Isso! Tenho que lhes falar ...

Esta é a estratégia.

"Os meus sentidos pêsames, minha senhora, era um homem notável!...", por pouco escapava-me. A velhota tem peso na família do morto.

Passados estes de minutos de condolências e homenagens públicas, deve haver uma espécie de retirada para o grupo que está mais afastado do esquife e que, sem desrespeito, fala dos negócios, dos projectos que o morto e a família tinham em carteira ... E outros assuntos que afastem aparências pesadas.

Mas eis que se aproxima uma membro do executivo camarário: Oh, meu amigo, era um bom homem ... Deve ser o trato imediato antes da obrigatória referência oral àquele projecto pendente no gabinete do ...

Depois, depois talvez não fique mal uma reentrada no espaço mais intimo e regresso a um pêsame ou outro e a um Terço em comum. Uma nova vénia no sentido da urna e, ala que se faz tarde, uma saída discreta para o adro da igreja ou mesmo para mais longe, onde se ultimam ideias de negócios e se marcam jantares de trabalho.

Quando, finalmente, o morto sair aos ombros dos gatos pingados, já devem estar, no mínimo, faladas todas as situações pendentes em carteira em relação aos circunstantes. Para que, de facto, só o morto seja cadáver e "na Natureza tudo se transforme".

A ignorar os trombudos que não se conhecem. E um ou outro que se não desejaria ver ... Mas uma particular atenção à concorrência, sobretudo àquela que, respeitosamente, aparece com flores e começa por rezar muito, em local que se veja bem ...

A saída de cada um para seu carro de acompanhamento pode ser uma boa altura para, no íntimo, pedir as boas graças celestes para o defunto e ... e zarpar, como quem acompanha. Não exactamente no sentido do eventual cortejo. Mas de forma discreta, a caminho do escritório.

Sem comentários:

Enviar um comentário