in À Sombra da Minha Latada, de MA
Quando nasci não havia democracia em Portugal. O que, até ao 25 de Abril, sabia dela devia-o aos livros. Prática - nenhuma, portanto. Ouvia falar de direita e de esquerda. Lia nos jornais que isso existia "lá fora"; no meu país sabia que havia a chamada oposição, mas pouco mais. Veio, então o 25 de Abril e comecei a fazer uma formação política intensa (...) passando a conceber com alguma clareza o que eram essas "coisas" de direita e esquerda. E de democracia também.
A primeira que me foi apresentada foi a esquerda. "Tudo" era esquerda. Logo, mas logo a seguir conheci a "prima" - a extrema-esquerda (ou extrema-direita? Não percebi bem ...). Estúpida, angulosa, boçal, macilenta, com caspa e dente de ouro, suja, cheirando a suor.
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Meses depois quiseram apresentar-me a direita, mas logo se atravessou, com pé leve, a extrema-direita (...) Também não lhe liguei, mas julgo ter fixado os seus métodos e a maneira como se apresenta. É elegante, lustrosa, engravatada, bebe chá e "whisky" do melhor, pega na chávena com dois dedinhos, beija a mão, come bolacha "shortcake" e palitos "La Reine". Discute a marca do relógio e a velocidade dos carros. Joga "golf", roleta e "bridge". Embriaga-se (à noite) na "boite" e "administra" (de dia). Tem azia, ou antes, acidez no estômago. Levanta-se tarde e lê o matutino em roupão - com as torradas. É redonda, bem nutrida, cheira a "Paco Rabane", pinta o cabelo, se necessário, e tem botões de punho de ouro. Ás vezes apresenta-se descuidada no vestir.
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