quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
Recortes do dito e do feito (4): Saudades do estrume puro
O monte
Anos a fio a passar ao lado, desta vez entrei. Também com o castelo aconteceu o mesmo, até que um dia parei e fui adivinhar-lhe a história. Com uma diferença substancial: é que, apesar de tudo, no monte alentejano, miraculosamente salvo dos mouros, ainda consegui surpreender résteas de vida de outras épocas, gotas da beleza simples das eras em que ninguém falava em vacas loucas e famílias inteiras nasciam, cresciam e olhavam o mundo com a mesma doçura com que amassavam pão.
A gente sabe que, se queremos emprego, o chamado progresso, por muito que desejemos a saúde da vida no meio da seara, é cada vez mais implacável no empurrão para as pressas (morre-se do "mal da pressa", ouvi a portugueses, algures, no outro lado da Terra).
Impuseram-nos a especialidade: é-se bom na couve portuguesa, mas não se consegue ser bom também no tomate, na galinha poedeira, na criação de cavalos, nos enchidos, na soneca que aliviava cansaços. Tudo é feito a correr e em série. O sol deixou de ser luz e sombra para "virar" digital. E nós fomos nisso e passamos na estrada, às vezes, com frequência, sem nos darmos conta de que ainda há por aí, para lá dos sobreiros, longe do asfalto, quem respire num monte, qual castelo, o ar dos tempos em que a carne se comia sem medo, o leite era engolido à beira-teta e a bosta cheirava ao que era. Ai como eram bons os tempos do estrume puro!
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