O serviço público de radiodifusão está espalhado por vários pontos da cidade. A curto prazo é preciso arranjar uma solução provisória para as instalações, diz Manuel Pires, que lidera a emissora desde o início do mês.
Maria Caetano
- O seu antecessor, Leong Kam Chun, assumiu como prioridade o saneamento das contas da TDM. Esse processo está concluído? Há novas prioridades?
M.P. – O principal é o serviço público ao exterior, que deve ser sempre prioridade. Para que isso possa acontecer com eficácia, é preciso que a empresa tenha uma estrutura e um funcionamento que respondam às situações. A nível de gestão há trabalho para continuar. Nomeadamente, um maior investimento em tecnologias. Não só na prestação de serviços de radiodifusão, mas também a nível de gestão, onde penso que a empresa terá de apostar seriamente e com grande convicção. A questão dos recursos humanos cada vez mais é um desafio para todos nós.
- Essa modernização do ponto de vista da gestão, efectivamente, vai traduzir-se em quê?
M.P. – A nível do processo decisório, a todo o momento temos de ter uma ideia clara e precisa de quais são os recursos disponíveis – humanos, materiais e financeiros. O mecanismo de gestão tem de corresponder a isto, caso contrário é sempre muito difícil tomar uma decisão. A empresa só pode trabalhar, criar novos projectos e lançar novas produções ou programas, sabendo com o que conta em termos financeiros. Portanto, é preciso recorrer à tecnologia para criar modelos internos que permitam a todo o momento sabermos, por um lado, qual é a execução orçamental, para podermos planear num prazo mais longo as necessidades de investimento. A empresa tem de começar a perspectivar planos de investimento plurianuais e nunca basear as suas opções no ciclo de um ano.
- A maior parte do financiamento é pública, vem da Administração. Da parte do Governo de Macau há abertura para pensar nos projectos de financiamento a longo prazo?
M.P. – Sem dúvidas. De há uns seis anos para cá que o Governo enquanto accionista tem sido bastante receptivo relativamente às necessidades de investimento. Veja-se o facto de a TDM ter criado mais canais, ter passado a emitir em alta definição num canal, de a rádio ter modernizado os seus equipamentos. Tudo isto são acções concretas que têm acontecido e que penso que vão continuar a acontecer. Não há dúvidas de que o subsídio do accionista – neste caso, o Governo – é uma receita fundamental para a sobrevivência da empresa. Mas gostaria de apontar perspectivas: no futuro, a empresa também terá de ter capacidade própria de gerar receitas por forma a poder apostar em novos projectos na área da produção e dos programas.
- Onde poderão estar essas fontes de receita adicionais que a TDM ainda não explorou?
M.P. – Como se sabe, o Chefe do Executivo, há uma semana, anunciou que iria contactar as autoridades do Governo Central no sentido de a TDM poder ter o seu sinal no interior da China. Este é um novo desafio no sentido de permitir tornar a empresa atraente. Em termos comerciais, gera novas receitas. Mas não é muito por aí que gostaria de frisar porque isto seria sempre a pensar numa perspectiva de lucro, que não me parece que seja o essencial. Diria que a estratégia passa muito por colaborações, projectos de cooperação. Há entidades que podem estar interessadas na produção de programas, e a TDM – porque não? – poderá, mais que produzir publicidade, produzir programas.
- Este processo de pedido ao Governo Central para que o sinal da TDM possa ser emitido no Continente ainda estará a ser negociado, não haverá já uma resposta. Se houver, diga-me. Mas essa possibilidade é assumida com algumas condições por parte da TDM?
M.P. – Neste momento, ainda não recebemos nenhuma indicação sobre se o processo teve sucesso. Mas, às vezes, usando a expressão inglesa, ‘no news is good news’. A nível da comissão executiva, não ficámos indiferentes à declaração pública do Chefe do Executivo e, portanto, também trocámos impressões. Temos de começar a perspectivar o cenário do sinal chegar ao interior da China. Em termos estritamente técnicos de emissão de sinal, num pressuposto de ser através de sinal de satélite, a TDM está em condições de responder a esse cenário. Os conteúdos ficarão para depois.
Na possibilidade de a emissão de sinal para o Continente ser de alguma forma sujeita a outras regras, a TDM quererá submeter-se a essas regras?
M.P. – No plano abstracto, direi que o emissor emite nos moldes em que tem os seus programas. O receptor é que escolhe o que quer ver. Não consigo saber se o receptor gosta dos programas do emissor – agora, na certeza porém de que o emissor só tem aqueles.
- Neste momento está tranquilo em relação à liberdade de que gozam os seus profissionais dentro dos diferentes departamentos da TDM?
M.P. – Estou. Até porque na primeira semana tive a oportunidade de me reunir não só com os responsáveis de departamento, nalguns casos, mas com todos os que quisessem estar presentes – nomeadamente, departamento de informação. Toda a gente foi bem-vinda e a todas as áreas transmiti a minha mensagem de uma forma que penso que foi inequívoca: a mim e à comissão executiva compete gerir e administrar a empresa, e aos diferentes departamentos compete executarem tecnicamente as áreas deles. Portanto, as agendas, os alinhamentos, as notícias são feitas pelos próprios jornalistas e pelos próprios departamentos.
- Pelo teor de cartas internas e anónimas que foram remetidas à imprensa, mais do que pedido de não-ingerência por parte da administração, percebe-se que há um apelo. O seu papel deve ser de não-ingerência ou de apoio dentro do quadro da informação a que haja garantias dessa liberdade para os profissionais?
M.P. – Objectivamente, nunca me foram presentes situações concretas que tivesse de lidar com elas. Enquanto administrador, é minha obrigação, sempre que houver situações em que a administração tenha responsabilidade de intervir, corrigir situações que não estão bem. Estou disponível, obviamente. Mas, nunca irei pronunciar-me sobre situações no abstracto e muito menos anónimas.
- Há uma futura mudança de instalações e fala-se, eventualmente, de uma ida para a Ilha da Montanha. Do que é que a TDM precisa em termos de espaço e de investimento?
M.P. – A TDM, efectivamente, há cerca de dois anos manifestou formalmente ao Governo da RAEM o interesse e o desejo de conseguir obter um terreno onde pudesse construir o seu campus. Essa ideia foi concretizada formalmente, com um projecto muito preliminar, com quatro áreas. Terá de ter estúdios, armazéns, e uma área de formação. Não foi referida nenhuma localização em concreto. Naturalmente que no processo de análise interna, antes de formalizarmos a carta, houve uma ideia que foi aventada, que foi, ‘bom, na volta vamos ter uma solução híbrida’. Há coisas que ocupam muito espaço, como estúdios e armazéns. [Perguntámo-nos] se não teria de ser em Hengqin, porque em Macau não se está a ver onde se vai encontrar [terreno]. Mas não passou mesmo disto, de uma ideia que não foi concretizada em lado nenhum. Fizemos o pedido, sabemos que é um processo que demora tempo. Preocupa-me muito mais o entretanto. Em termos de instalações, a TDM neste momento está numa situação não digo que já crítica, mas com prognóstico reservado. Temos estas instalações na Francisco Xavier Pereira, onde concentramos tudo o que é da televisão, mas depois temos a rádio no edifício Nam Kwong, e ainda temos a parte administrativa num outro edifício no NAPE. Temos uma parte dos programas num prédio industrial próximo. Não é boa política para nenhuma organização estar espalhada a não ser que haja uma razão específica para isso. É aqui que o papel do accionista é muito importante. Teremos de encontrar soluções intermédias em que possamos criar condições de trabalho minimamente razoáveis para os colegas. Se calhar, uma solução provisória em que parte ficará num sítio e outra parte noutro sítio.
- Mas o aumento da produção própria depende de encontrar esses novos espaços?
M.P. – O aumento da produção própria passa por duas estratégias. Por um lado, acredito que, internamente, os colegas da TDM são capazes de produzir mais. Mas para isso precisam de condições, espaço e equipamentos para trabalhar. Os equipamentos estão desde há seis anos a ser actualizados. O espaço físico é o que ainda falta. A segunda estratégia, que penso que também é importante, passa por dar uma oportunidade a talentos locais que estão a emergir para que possam também mostrar o seu trabalho. Porque é que a TDM não há-de fazer o outsourcing? Hoje em dia, é uma estratégia de todas as grandes estações de televisão. Não só permite de alguma forma gerir recursos financeiros, porque não onera tanto a produção, como por outro lado permite também que talentos locais possam surgir. É um papel importante que a TDM deve assumir.
- A produção de conteúdos de ficção é uma tarefa que nem sempre é assumida pelas emissoras de televisão, porque exige muitos recursos. Normalmente é algo dependente das produtoras externas, que escasseiam em Macau. Nesse sentido, o que é que a TDM poderá oferecer no futuro?
M.P. – A TDM deve ter uma postura de abertura ao diálogo. Tudo dependerá sempre de propostas concretas que a TDM terá de avaliar. Há projectos que podem ser exequíveis e outros não. Temos de viver com os recursos que temos. Mas, à partida, não vejo qualquer exclusão a nível de qualquer conteúdo. Mesmo a ficção, que envolve recursos avultados, não deve ser excluída da raciocínio.
- Eventualmente, pode haver propostas de co-produção.
M.P. – Já que toca nessa parte, gostava de frisar o trabalho que foi feito pelo meu antecessor, Leong Kam Chun, nos três anos em que esteve à frente da comissão executiva, que é o intercâmbio com os países de língua portuguesa. Neste momento, só falta a televisão pública de Angola assinar um acordo formal com a TDM. Prevejo lá para o fim deste mês ter algumas notícias boas relativamente à data da concretização dessa intenção. Este ciclo de documentos de cooperação fecha-se. Já começou a haver troca de programas e, portanto, isto vai continuar.
- Neste futuro próximo, quais são os papéis do Canal Macau e da Rádio Macau?
M.P. – Antes de mais nada, são para continuar. Não há aqui qualquer dúvida. Há bocado falei das produções conjuntas com os países de expressão portuguesa. Obviamente que, tanto o Canal Macau como a Rádio Macau, estão na primeira linha de poderem beneficiar dessa oportunidade e tentar desenvolver projectos. É óbvio que há aqui triangulações que vão ser feitas. A Rádio Macau já tem alguma programação. Como é que se pode tirar sinergias entre a televisão e a rádio? Também é um desafio que se coloca, porque temos de ser realistas em relação ao universo de língua portuguesa que existe neste momento em Macau. Queremos trabalhar ao máximo os recursos que temos para tirar os melhores proveitos.
- Acha que deve haver uma carta de programação fundamental para a TDM ou que a TDM deve assumir oficialmente obrigações de serviço público?
M.P. – A TDM tem uma história. Se a sociedade, a opinião pública, levar a que o Governo entenda tomar alguma atitude por aí, naturalmente que será o Governo a tomar alguma atitude por aí. Por dentro, isso não me é colocado.
- Acha que seria mal encarado internamente na empresa que o contrato de serviço público estabelecesse mais obrigações de programação?
M.P. – Depende como queremos olhar para o assunto. Imaginemos que no contrato de serviço público se diz que a TDM tem de assegurar que metade [da programação] seja entretenimento para todos. Não diz mais que oferecer entretenimento, não diz qual. Mas, se isto é tomado como uma restrição à criatividade, diria que sim. Sou novato na problemática da comunicação social, mas tenho de administrar uma empresa. Dessa perspectiva, nunca me apercebi dessa necessidade. No plano teórico, nunca excluo que as coisas podem ser sempre melhoradas. Mas penso que é muito mais pelo que apresentamos de trabalho concreto e pela nossa forma de actuar que podemos ser ajuizados. Mas fica bem às vezes dizer o que está bem. Também precisamos de saber o que é que está bem para podermos continuar a trabalhar nesse sentido.
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