sábado, 10 de maio de 2014

Anatomia das ideias (0036) - Política

MIGUEL TORGA

1984
"Política. Não há outra conversa. E desabafo também. Mas a minha indignação não tem a veemência do passado. Falta-lhe o fogo da esperança. É uma revolta conformada, fatalista, que dói como as feridas crónicas, sem perspectivas de cura. Descri de todos os governantes. Nem os melhores prestam. Nenhum é imune à tentação do poder. O poeta nunca sabe quando um verso lhe é dado. O santo quando atinge a santidade. Ora o político, desde que entronizado, fica senhor do seu pequeno mundo. Confunde o privilégio de mandar, que devia ser a modéstia de servir, com os fumos da grandeza.E não há um sequer capaz de desiludir o super homem que se pretende com a dignidade do homem que não entende."

ALÇADA BAPTISTA

1976
"Quanto aos senhores políticos, quero esclarecer que há aqueles por que tenho muita consideração porque se matam a puxar por tudo isto só por causa da mania do dever, mas há os outros que andam muito contentinhos a compensarem-se duma vida que queria aquele bocadinho de poder e de glória para se equilibrar. Os políticos opiniosos e bem-falantes fazem-me imensa ternura porque também já fui assim. Já declinei em tempos todas as novidades francesas e dizia muito sério coisas como "bloco histórico", "contradição intrínseca", "distorções e assimetrias". Depois passou-me. Parei antes de dizer "correcto" e, nessa altura, quando se dizia "pontual" era porque se chegava a horas."

VERGÍLIO FERREIRA

1992
"Toda a época faz sistema. Ou a isso tende. Mas como entender que o faça até ao absurdo? Com entender que um político seja uma variante do jogador de futebol? Há a realidade fictícia que é o nominalismo do clube. Ele não é a sede, nem os sócios, ou os jogadores e o mais. Porque tudo isso pode ser alterado e nem às vezes o próprio nome permanece. Mas permanece a dedicação. E a paixão até à morte por ele. E a dignidade orgulhosa de se ser sempre adepto do mesmo nome ou do que se alterou, com as rixas e ódios e rivalidades e toda a intriga adjacente como no alecrim e manjerona do tempo do Judeu. Mas se isto é assim com um clube, o processo serve à mesma na política, na dedicação ao nome e nos arranjos para que o nome seja sempre em esplendor. Assim com o mercenarismo."

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