Cao Zhiyun, considerado a maior autoridade da linguística chinesa nos chamados dialectos do país, afirma que o cantonês é o mais bem preservado. O especialista sugere uma distinção funcional para os usos do mandarim e do idioma local. Não arrisca propor que este seja assumido oficialmente.
Iris Lei
O linguista e especialista em dialectos Cao Zhiyun, vice-presidente da Universidade de Língua e Cultura de Pequim, entende que há diferentes interpretações para o que se pode considerar língua chinesa, aquela que legalmente está consagrada como uma das línguas oficiais de Macau.
Em entrevista ao PONTO FINAL, o linguista, dado como autoridade no estudo dos chamados dialectos chineses, afirma que aquilo que se entende por chinês não está claramente definido em contexto. “Caso seja entendido como a escrita de caracteres chineses, pode ser também problemático, uma vez que o conceito inclui também a forma escrita de um dialecto”, exemplifica sobre as dificuldades. E, junta, se for entendido estritamente, o cantonês deixa de ser considerado oficial.
A Lei Básica de Macau estipula que o chinês e o português são as duas línguas oficiais do território, com a forma escrita a ser determinada para o uso pelo Governo, Assembleia Legislativa e órgãos judiciários. Porém, não há regra explícita quanto ao uso verbal do chinês.
O académico do Continente limita-se a dizer que “é um assunto de Macau”, juntando porém que ao nível do Governo Central são apenas aceites o mandarim e a forma escrita simplificada de chinês.
Para o linguista, há no entanto uma certeza: diz que o cantonês é um dialecto e não uma língua. “Apesar de existirem diferenças enormes entre os diferentes dialectos, de uma perspectiva histórica todos eles derivam de uma mesma língua. Portanto, não os podemos ver como línguas diferentes”, argumenta.
Já o mandarim, defende, é a “forma padronizada do chinês”. “A relação entre o mandarim e outros dialectos é a de que o mandarim é o padrão, enquanto os outros são variantes da mesma língua”, alega.
Este tema tem causado a indignação na região vizinha, depois de o Governo de Hong Kong ter afirmado que “o cantonês não é língua oficial”. A Lei Básica da RAEHK estipula que o inglês e o chinês são as línguas oficiais, com 97 por cento da população local a falar cantonês. A afirmação da Administração motivou fortes críticas e agudizou a tensão em relação ao Continente, acabando por ser rapidamente removido do website da Administração.
“O nosso trabalho é problemático”
“A promoção do mandarim é muito importante com a aproximação entre Macau e o Continente”, defende Cao Zhiyun, embora sublinhando que o ensino deste não deve ser obrigatório. O linguista acredita que a imposição “teria efeito contrário”.
“O nosso trabalho é problemático porque antes nos limitávamos a promover o mandarim, negligenciando a conservação dos dialectos locais, alguns dos quais desapareceram num curto prazo”, diz.
“Preservar o cantonês e promover o mandarim não são objectivos contraditórios. Não devem ser entendidas como opostos. O nosso objectivo é impor um sistema bilingue nas regiões com dialectos, para que falem esse dialecto e o mandarim. A distinção entre o dialecto e o mandarim está na função ou no local dos seus usos”, defende.
Numa altura em que há cada vez mais enfoque na necessidade de aprendizagem do mandarim, há a temer que o cantonês possa subsumir como outros dialectos do Continente? O linguista mostra-se optimista.
“Entre os dialectos chineses, o cantonês é o que está melhor preservado, e pode ser considerado o mais forte e também aquele que tem mais funções. Por exemplo, pode não apenas ser usado em regiões do Continente, mas também em Hong Kong e Macau. Em segundo lugar, têm um sistema de escrita integrado, que é o que falta em outros dialectos”, expõe Cao. “Por comparação com outros, o cantonês está realmente em boa forma”.
Para o linguista, apenas se houvesse uma separação das funções adstritas ao uso de cantonês ou mandarim – ou seja, o uso de um ou de outro consoante a situação –, o idioma local poderia encontrar “uma grande crise” na sua conservação.
O linguista dá mais argumentos para a aprendizagem do mandarim nas idades mais jovens. “A língua é um símbolo da nação. A omnipresença do mandarim favorece o reconhecimento da identidade chinesa”, diz. “Pode haver algum carácter único em Hong Kong e Macau, mas pelo menos nenhum problema desses acontece no Continente”, junta.
Primeiro passo em Macau
O Ministério da Educação da China planeia desenvolver a investigação em 33 dialectos em mais de 100 locais do país, tendo Macau como primeira etapa. “O Atlas da Cultura e do Dialecto de Macau” é a primeira obra de uma série de publicações onde Cao Zhiyun é co-autor e que se debruça em profundidade sobre a cultura local.
“Muitas pessoas vêm a Macau pensando apenas nos casinos e não na riqueza da sua cultura”, entende Cao que, desde 2011, permaneceu na região um total de 100 dias para investigar para a obra.
O livro foi lançado na última sexta-feira no Instituto Politécnico de Macau e tem por objectivo declarado a “preservação integral” do dialecto e dos fenómenos culturais do território. O cantonês, reitera Cao, está na melhor forma. “Não experienciei a destruição trazida pela revolução Cultural ou impacto da modernização. Está quase integralmente preservado”, defende.
A cultura, afiança, também está em bom estado. “Macau tem aspectos muito bem preservados que desapareceram no Continente”, diz, exemplificando com a utilização de portas de correr com três funções: ventilação, iluminação e segurança.
A obra apresentada, em chinês, regista cinco centenas de imagens culturais do dialecto, classificadas em categorias: habitação e construção; utilidades; vestuário e acessórios; alimentação, agricultura e outras indústrias; actividades quotidianas; e casamentos, funerais e festivais.
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