sábado, 3 de maio de 2014

VERSOS DO CANTADOR DE SETÚBAL ( 4 )














Bocage foi meu patrício
Na minha terra nasceu
Não quis ricos aposentos
Num casebre faleceu

No ano em que eu fui nascido
Que apareci entre os humanos
Já havia quinze anos
Que ele havia falecido
Depois o que tenho sido?
Fraco oficial de ofício.
O cantar foi o meu vício
E numa obra que eu fiz
Há um letreiro que diz:
Bocage foi meu patrício.

Alguém me tem comparado
Co'o nosso poeta Elmano
O que é para mim engano
Pois onde tenho eu estudado?
Eu já tenho perguntado
Quem foi ele e quem sou eu
Que merecimento é o meu?
Só num ponto sou igual:
É que essa glória imortal
Na minha terra nasceu.

Foi um amante da pobreza
Foi um amigo dos pobres
Era nobre ao pé dos nobres
Mas desprezava a grandeza
A sua maior nobreza
Eram os seus pensamentos.
Mais do que um dos opulentos
Com ele se divertiu
Mas pobre enquanto existiu
Não quis ricos aposentos.

Sem motivo nem razão
Foi o meu leal patrício
Por ordem do Santo Ofício
Preso para a Inquisição,
Quando teve a absolvição
Já de pouco lhe valeu.
De desgosto adoeceu
Já da vida impaciente
Na Travessa André Valente
Num casebre faleceu.

Bocage desbarretado
Sem carapuça ou boné
Há tantos anos de pé
Já deve estar esticado.
Seu fato, por muito usado,
Já precisa alguma emenda.
Devem-lhe dar uma prenda
Para não estar em cabelo
Comprem-lhe um chapéu de pêlo
Dos que o Mendes tem à venda.


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