Apesar de os comissários da exposição “Onde é a China?” não terem feito alertas públicos sobre a exclusão das obras, a embaixada de Portugal em Pequim sabia do sucedido – bem como alguns dos presentes.
O facto de obras portuguesas terem sido censuradas pelas autoridades chinesas e excluídas da exposição “Onde é a China?”, inaugurada pelo Presidente da República portuguesa em Pequim, parece ter sido, desde 16 de Maio, um segredo pouco secreto.
“No dia e no próprio espaço [China Millenium Monument World Art Museum] era um assunto falado. Não foi escondido. Os artistas sabiam e as pessoas iam falando. Umas já sabiam, outras souberam por mim”, afirma Luís Alegre, um dos comissários da mostra em cuja abertura esteve Cavaco Silva acompanhado por largas dezenas de pessoas, entre os quais jornalistas.
Aliás, apesar de os comissários não terem informado a Presidência da República, os responsáveis da embaixada de Portugal em Pequim sabiam que as obras de Miguel Palma, João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata tinham sido excluídas – a notícia da censura saiu no semanário Expresso no sábado.
“Não informámos a Presidência, mas a embaixada soube. Conversei com pessoas ligadas à embaixada e sabiam”, diz Alegre.
Quando questionado pelo PONTO FINAL sobre a reacção das autoridades ao facto de a vídeo-instalação “Yami Shop Suey” e o filme “Alvorada Vermelha” terem sido censuradas, Alegre evidencia a resignação dos representantes de Portugal.
“A posição foi: ‘Bem-vindos à China’. Eles já previam que pudesse acontecer.
É claro que com pena e lamentando, mas sabiam que é quase natural.”
Foi essa também a imagem passada aos autores das obras censuradas que souberam por telefone do sucedido.
“O Luís Alegre ligou-me a dizer que o meu trabalho tinha sido retirado e que as pessoas tinham ficado relativamente indignadas, e que na comitiva havia quem estivesse a par, mas que o cortejo continuou. Compreendi que não seria oportuno e que diplomaticamente a coisa [tornar a questão pública] podia não fazer sentido”, explica Miguel Palma, um dos mais importantes artistas plásticos portugueses.
Aliás, o público apercebeu-se de que algo estava errado. É que o catálogo da exposição – onde vinham os trabalhos, incluindo os censurados – desapareceu da galeria e os organizadores não perceberam quem os tirou.
“Há algo um pouco estranho de ninguém se preocupar com isso. Mas isto é como um castelo de cartas. Um dos apoios é da Fundação EDP que provavelmente pagou os catálogos. Eles não acharam surpreendente não os ver lá? Como é que a Presidência pode não ter sabido se tanta gente sabia? Ninguém perguntou?”, questiona João Rui Guerra da Mata. O artista, no entanto, também decidiu não tornar públicos os acontecimentos até à abertura da mostra em Lisboa, por receio de que fosse afectada.
Pedro Lobo, representante da Casa de Portugal e um dos convidados da inauguração, testemunhou aliás o ambiente.
“O que se achou estranho é que não houvesse catálogos disponíveis. A resposta que foi dada era de que havia um erro na impressão”, refere Lobo que soube poucas horas depois, já em conversa informal com artistas e organização, que as obras tinham sido censuradas.
Mas apesar de o divulgarem em privado, os comissários da exposição – Luís Alegre, Nuno Aníbal Figueiredo e José Drummond – optaram por não chamar a atenção para a retirada das obras que aconteceu na véspera (no caso na instalação de Miguel Palma) e a pouco mais de uma hora da inauguração (para o filme “Alvorada Vermelha”).
“Foi tudo muito rápido e acordámos deixar que os artistas decidissem se referiam aos media ou não. Claro que me apeteceu falar na introdução à exposição e foi com um nó na garganta que não o fiz, mantendo-me coerente com a opção acordada”, explica Drummond.
Luís Alegre aponta ainda outra razão para não o terem feito.
“A censura é uma questão muito delicada e não estávamos no nosso território. Não é uma coisa com que saibamos lidar – pelo menos eu – embora soubesse que ia para um país com censura”, assinala o responsável. E acrescenta: “Isto pode ter vários nomes. Sob um ponto de vista mais cobarde e medroso pode dizer-se: ‘Não tiveram coragem de dizer, de publicar ou boicotar’. Eu aceito.”
O responsável afirma ainda que a organização optou por tomar uma opção pragmática – não anular toda a exposição e, depois, não reduzir a exposição em Lisboa a este episódio. É que depois de Pequim a mostra inaugurou também em Portugal, na semana passada.
“Alguns patrocinadores também são chineses e podia haver um problema diplomático e, como queríamos organizar a exposição cá [Portugal], nunca fizemos muito alarido”, refere Alegre que não quis usar o facto como marketing para atrair visitantes à exposição.
Quanto às razões para a falta de reacções oficiais à notícia do Expresso, Guerra da Mata, que afirma não se sentir representado pelos órgãos competentes, refere, ainda assim, compreender a situação delicada.
“Percebo a razão da Presidência da República. Sabemos o que o professor Cavaco Silva foi fazer”, diz, referindo-se ao facto de a viagem ter tido um cunho económico forte.
Razões misteriosas
Já quanto à escolha das obras a censurar, tanto comissários como artistas dizem não compreender o que levou as autoridades chinesas a excluir os trabalhos, já que estes tinham sido analisados pelos censores ainda antes de chegaram a Pequim.
“O que mais me constrange é que as obras foram submetidas a aprovação e todas passaram. E é curioso que a fotografia do Wang Qingsong, que retrata um busto da Estátua da Liberdade em destruição – ou construção –, tenha passado”, diz José Drummond.
“Estamos a assistir à censura mais estúpida que existe. É que não é política, mas do que fica bem”, defende Guerra da Mata cujo filme retrata o abate de animais para venda no Mercado Vermelho, em Macau.
O PONTO FINAL tentou contactar a embaixada de Portugal em Pequim, mas não obteve resposta até ao momento. P.S.A.
Sem comentários:
Enviar um comentário