segunda-feira, 11 de agosto de 2014
Antologia da gente que passa ( 4 )
Crise lamentável
Mário de Sá-Carneiro
Gostava tanto de mexer na vida,
De ser quem sou - mas de poder tocar-lhe ...
E não há forma: cada vez perdida
Mais a destreza de saber pagar-lhe.
Viver em casa como toda a gente,
Não ter juízo nos meus livros - mas
Chegar ao fim do mês sempre com as
Despesas pagas religiosamente.
Não ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas -
A minha Torre ebúrnea abrir janelas
Numa palavra, e não fazer mais cenas.
Ter força um dia para quebrar as roscas
Desta engrenagem que emperrando vai,
- Não mandar telegramas ao meu Pai
- Não andar por Paris, como ando, às moscas.
Levantar-me e sair - não precisar
De hora e meia antes de vir para a rua,
- Pôr termo a isto de viver na lua,
- Perder a frousse das correntes de ar.
Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa dos amigos que frequento -
Não me embrenhar por histórias duvidosas
Quem em fantasia apenas argumento.
Que tudo em mim é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete:
E sempre o Oiro em chumbo se derrete
Por meu azar ou minha zóina suada ...
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