Não há regra que o obrigue, mas dois juristas ouvidos pelo PONTO FINAL entendem que os diplomas deveriam ser traduzidos e publicados em português.
Sandra Lobo Pimentel
Na II Série do Boletim Oficial da RAEM, as convenções internacionais de que Macau faz parte por via da República Popular da China não são publicadas com a versão em português, situação que já se vem verificando, pelo menos, desde Julho de 2011.
Foi o caso da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, concluída em Londres em 1 de Novembro de 1974, e que foi publicada no Boletim Oficial de 10 de Outubro.
Questionado a este propósito, Marques da Silva, que falou ao PONTO FINAL como jurista e cidadão, entende que haveria “toda a conveniência” em publicitar estas convenções internacionais na língua portuguesa.
Apesar da lei 3/1999, que respeita à publicação e formulário dos diplomas, usar a expressão “pode” no que respeita ao português, o mesmo acontecendo com a Lei Básica, o jurista entende que há outra norma que justifica que o Governo não abra mão da língua portuguesa nestes casos. “Do ponto de vista jurídico, creio que devem ser publicadas também em português por via do artigo 5° do Código Civil que diz que ‘a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas’”.
Aponta também, cumulativamente, a regra do Código Civil que estabelece a aplicabilidade directa das convenções internacionais no ordenamento jurídico local, e, por isso, os cidadãos têm que conhecer o seu conteúdo. “Se é uma obrigação dos cidadãos, então deve estar ao alcance de todos entender o conteúdo”.
Marques da Silva sublinha ainda que a obrigação de falar chinês não existe aquando da atribuição de residência, pelo que, “se não há essa obrigação, então deve ser garantido o acesso a todos”.
Também ouvido pelo PONTO FINAL, António Katchi frisou que as convenções internacionais ficam de fora da regulação quanto à publicação nas duas línguas oficiais. “Pelo que sei, foi intencional, embora não concorde”.
Ainda assim, o jurista lembra que “antes da transferência houve casos de convenções internacionais que foram publicadas sem a tradução chinesa”, ou seja, o oposto do que está agora a suceder.
“Algumas convenções entre a China e outros países estavam a ser traduzidas para português, mas não chegaram a ser publicadas. Era um trabalho feito pelo Direcção dos Serviços de Reforma Jurídica e de Direito Internacional mas que parou e continuou a prática de publicar sem a versão portuguesa”.
Quanto às regras que se podem impor neste caso, António Katchi apenas vislumbra a regra do artigo 9° da Lei Básica. “Se diz que são ambas oficiais, daí deveria decorrer que todos os actos normativos publicados no Boletim Oficial deviam ser publicados também em português”.
O jurista entende que “em princípio, é exigível às autoridades que proporcionem a cognoscibilidade de todos os actos jurídico-públicos. Se não se publica na outra língua oficial, está-se a privar um conjunto de pessoas de ter conhecimento desses diplomas”.
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