Apesar da violência da intervenção policial no domingo, manifestantes não recuam e pedem que o Governo responda às suas reivindicações.
Cláudia Aranda, em Hong Kong
Ao final da tarde de ontem, milhares de manifestantes pró-democracia permaneciam acampados em torno da zona da sede do Governo, em Admiralty, em Hong Kong, e exigiam o afastamento do líder do Governo da região administrativa especial de Hong Kong, Leung Chun-ying, gritando “Chefe do Executivo, demite-te!”.
A imprensa chinesa de Hong Kong chama-lhe já a “Umbrella Revolution”, aludindo aos guarda-chuvas usados pelos estudantes para se protegerem da violência policial de domingo. Ontem, eram muitos os guarda-chuvas a serem pintados nas ruas com mensagens de paz e democracia e distribuídos pelos manifestantes.
O protesto estudantil de boicote às aulas, que começou a 22 de Setembro, precipitou o início, na sexta-feira, do movimento de desobediência civil previsto pelo Occupy Central para, amanhã, 1 de Outubro, Dia Nacional da China. Após um fim-de-semana de protestos, o movimento Scholarism continuava ontem a atrair milhares de estudantes às ruas de Hong Kong. “Estão a dizer-nos para não irmos às aulas amanhã [hoje]”, diz Ann. Para os estudantes em greve às aulas, os líderes anunciavam ontem à tarde que “este é um processo sem fim à vista”.
Nas barricadas, próximo de onde ocorreram os confrontos com a polícia no domingo, Wong, 23 anos, aluno da Hong Kong Polytechnic University, conta que está nas ruas desde sexta-feira. “Queremos passar aqui mais uma noite, a polícia atacou-nos ontem [domingo], não queremos que isso volte acontecer”. Wong diz que os estudantes não têm um prazo para sair das ruas. “Queremos que o Governo responda às nossas exigências, eles não nos respondem, então vamos continuar com a nossa acção até nos darem uma resposta”.
Wong confessa que tem pouca esperança que o Governo Central ceda às exigências dos manifestantes mas, apesar da possibilidade ser ínfima, os manifestantes vão “continuar a lutar” com acções pacíficas. “Queremos garantir o nosso futuro, queremos proteger o Estado de Direito e os valores em que acreditamos”, afirma.
A intervenção policial no domingo provocou 41 feridos, incluindo 11 agentes da autoridade. Em comunicado, a polícia de Hong Kong disse ter recorrido 87 vezes a gás lacrimogéneo nos confrontos com os manifestantes. As autoridades afirmaram que se sentiram compelidas a usar granadas de gás depois de os cordões policiais terem sido repetidamente desafiados por alguns manifestantes. Para “evitar ferimentos”, os agentes “tiveram de recorrer aos gás pimenta, gás lacrimogéneo e aos bastões”.
Ontem a polícia anti-motim recuou para dar lugar a uma presença discreta de forças regulares de policiamento.
Ao longo do dia mais pessoas foram-se juntando ao movimento por sua “própria iniciativa”, explica Tsi, estudante de engenharia. “Democracia é um processo em construção e, desde segunda-feira passada até agora, podemos ver que o nível de consciência aumentou. As pessoas começam a debater entre elas, podemos ver que há muitos estudantes que não saíram a semana passada, mas que se juntaram hoje, esta é já uma conquista”, acrescenta.
À noite, o jornal South China Morning Post e a página no Facebook “Hong Kong Allies” (“Aliados de Hong Kong”) anunciavam que os manifestantes seguiam nas ruas, celebrando com canções e churrascos, num ambiente de festa, bem diferente da violência desencadeada pela polícia na noite anterior.
Whatsapp e Facebook activos
Ao longo do percurso entre Central e Admiralty, observam-se lojas fechadas e jovens, estudantes universitários, envergando ao peito a fita amarela, símbolo do movimento estudantil pela democracia, agora adoptado pelo grupo no Facebook “Aliados de Hong Kong”. Os alunos reorganizam-se, reúnem mantimentos e preparam-se para mais uma noite ao relento.
“Temos comida, água, máscaras respiratórias, primeiros socorros, pensos para baixar a temperatura, por causa do calor”, diz Lawrence, 20 anos, da Universidade Chinesa de Hong Kong (CUHK, na sigla inglesa). “A maior parte são doações dos cidadãos”, explica.
Henry, 19 anos, também da CUHK, participa de uma corda humana de recolha e limpeza de garrafas vazias do chão e conta que há muitos rumores a circular. “Estão a dizer que o Exército de Libertação Popular está a caminho e que vão ser usadas munições verdadeiras, mas isto são informações falsas, acho que estes rumores é para nos fazerem desistir”. Henry não sabe até quando os estudantes vão permanecer nas ruas, mas nota que “há muita gente a vir e a ir”. “Acho que estamos bastante bem organizados, as mensagens circulam via WhatsApp e Facebook, temos plataformas muito eficientes de comunicação”. As comunicações mantiveram-se operacionais em Admiralty, apesar dos rumores de que as autoridades iam proceder ao corte das telecomunicações, diz Henry.
Enquanto mais estudantes se vão juntando aos protestos, os organizadores do Occupy Central pedem aos manifestantes para se manterem firmes e não recuarem até o Governo dar uma resposta às suas exigências. O movimento Occupy Central exige a retirada da decisão de Pequim e o relançamento do processo de reforma política.
Pequim anunciou, a 31 de Agosto, que os aspirantes ao cargo de Chefe do Executivo em Hong Kong vão precisar de reunir o apoio de mais de metade dos membros de um comité de nomeação para concorrer à próxima eleição, em 2017, e que só dois ou três candidatos serão selecionados. A população de Hong Kong exercerá o seu direito de voto, mas só depois daquilo que os democratas designam de “triagem”. A secretária-chefe, número dois na hierarquia do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, disse ontem ser “irrealista” esperar que Pequim reverta a sua decisão sobre a reforma política no território.
Henry também não acredita que o Governo Central ceda às exigências dos manifestantes. “Basta pensar no que aconteceu em 1989 [ano do massacre de Tianamen]”, diz. “Estamos aqui para mostrar ao Governo em que é que acreditamos, para mostrar que nós, os cidadãos de Hong Kong, não desistimos assim tão facilmente, porque as pessoas não estão a juntar-se só em Admiralty, mas também em Causeway Bay e Mong Kok. Acho que este é um movimento com muito sucesso, pelo menos estamos a despertar a atenção do público, há pessoas de todos os pontos da cidade que estão a apoiar-nos e acho que vão continuar”. As universidades prometeram apoio jurídico, caso os manifestantes sejam presos pelas autoridades. “Temos advogados dispostos a dar-nos apoio voluntariamente”, acrescenta Henry.
Ontem de manhã, o trânsito seguia cortado em Admiralty, Wan Chai, Causeway Bay (ilha de Hong Kong) e Nathan Road e Argyle Road em Mong Kok (em Kowloon). Mais de 200 rotas de autocarro estavam suspensas e algumas saídas de metro encontravam-se encerradas. Houve também escolas e bancos encerrados.
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