Na aldeia, temos a "câmara alta", que é a paragem central dos autocarros onde, passada a carreira, muitos se "reúnem"; temos a "câmara baixa", que é o clube que fica situado no rodapé do casario, onde, nomeadamente, se lêem as últimas. E temos como que os "Passos Perdidos", que é o Café Central, onde o povo se encontra informalmente, e a toda a hora, para trocar ideias e matar sedes.
Sete ofícios - uma possibilidade. Nem uma palavra de desagrado, nem uma palavra de revolta, nem uma palavra de maledicência, nem uma palavra agressiva, nem uma palavra de incompreensão. África na saudade. Simplicidade no trato. Sorriso sem relógio. Disponibilidade sempre. O abraço na recepção e na despedida. Saber viver. Orgulho no estar: JOSÉ LEIRIA.
A entrevista tranquila - no CAFÉ CENTRAL.
A José Leiria.
- Meu caro, eu tinha aqui anotado: "chamo-me..." Diga o seu BI.
- José de Jesus Gaspar, mais conhecido por José de Leiria.
- Leiria porquê?
- Porque nasci em Monte Redondo, concelho de Leiria e depois vim trabalhar para a Covilhã, em 1969, mais propriamente, no dia 29 de Novembro de 1969.
- Leiria por essa razão ...
- Leiria por isso. Fiquei a ser o Zé de Leiria. Talvez até morrer.
- Há quantos anos está no Dominguizo?
- Estou aqui desde 1971.
- Fale-me de dois ou três episódios marcantes na sua presença na aldeia ...
- Uma vez não fui a Leiria, não tinha transporte e vim com um rapaz do Tortosendo aqui ao Dominguizo, onde, na altura, se faziam uns bailaricos ... Ao domingo, passeava-se muito estrada abaixo, estrada acima, conheci a minha esposa ... E palavra aqui, palavra além ... Cá casei com ela. E cá fiquei.
- Como é que o senhor aparece à frente do Café Central?
- Porque foi sempre minha ideia estar à frente de um estabelecimento. Aliás, já antes de vir para cá, de pequenito (com 11/12 anos), de vez em quando, ía até S. Pedro de Moel e havia lá um restaurante (chamavam-lhe o Bambi) onde, quando precisavam de alguém para ajudar, eu ...
- Mas, na aldeia, fala-me de dois ou três episódios que marquem a sua presença ...
- Não estou a ver ...
- Mas há quantos anos está aqui?...
- Há uns 35 anos ...
- Oh!... Duas ou três coisas que lhe tenham enchido a cabeça ...
- ... sei lá ... Às vezes, por meia dúzia de tostões, gerava-se um lavarinto do caraças, mas a gente, com a nossa educação e maneira de ser, conseguia levar a água ao moinho para que não houvesse mais espalhafatos. E eu, como fui sempre um indivíduo diferente, talvez até maior do que alguns com estudos, nunca gostei de refilar com ninguém. Tenho tido uma vida mais ou menos pacífica. Tanto que julgo ser, assim, dos rapazes de fora, um dos mais estimados na aldeia.
- Onde está há ...
- Cerca de 40 anos ...
- Sempre neste estabelecimento?
- Estive no Sport Lisboa e Águias do Dominguizo uns 20 anos, ou mais ... A fazer o mesmo que faço aqui.
- Ao longo deste tempo todo, duas ou três pessoas inesquecíveis?...
- O sr. Eduardo Ramos, muito meu amigo, que era tecelão e barbeiro cá na terra. Outro: o tio Zé Cebola, que era farrapeiro. Hoje é difícil fazer amizades assim ...
- A situação mais embaraçosa vivida por si ...
- Nesta função, a gente querer dinheiro para pagar rendas e impostos e termo-nos que esfarrapar por aqui e por além para resolver ...
- Sobretudo, nos últimos anos, ou não?..
- Sim, nos últimos sete, oito anos ...
- A partir do momento em que a sede do clube deixou de ser aqui ao lado da sua casa, sentiu alguma diferença?
- Diferença há ... Eu tinha aí muitos rapazes novos, amigos, que agora vão mais lá para baixo, ao clube. Mas não deixaram de me visitar.
- O que é que, neste tempo, lhe proporcionou maior satisfação?
- No aspecto geral, é a família que tenho.
- O que é que, no seu entender, neste ponto de encontro popular que é a loja que tem, é a reclamação que mais ouve?
- Por exemplo, o Dominguizo não tinha um lar. Agora já tem. Mas mesmo assim (é uma boa obra), não se sentem satisfeitos ... Está a pensar-se (já há terreno) fazer a casa mortuária, que é uma coisa que faz cá muita falta. E vamos lá ver se se concretiza, que os dinheiros agora ...
- Independentemente da sua opinião, qual é a maior preocupação que o senhor ouve ao povo?...
- São as que referi ... Também tivemos aí um presidente da Junta, que foi na altura dele que se fez o cemitério novo. Tivemos o senhor António Simões, que era também uma boa pessoa e uma figura carismática na aldeia.
Peço desculpa se me esqueci de alguém ...
- Qual é o maior orgulho do povo do Dominguizo?
- As pessoas são muito orgulhosas da terra que têm ... Mas desejam que no Dominguizo houvessse isto, houvesse aquilo, mas quando são pessoalmente abordadas, voltam as costas ou dizem que não têm vagar. Gostam de criticar, mas não ajudam a construir. É complicado. E cada vez vai ser mais ... Hoje em dia ninguém quer responsabilidades.
- E se o senhor mandasse?...
- Se eu mandasse estava sujeito às críticas que fazem aos outros. Muito embora saiba que talvez seja um bocadito diferente de alguns que aí há ... Não é desprezá-los, nem dizer mal deles, mas, se calhar, se eu fosse junto de certas pessoas pedir isto ou aquilo, talvez fosse melhor aceite do que algumas pessoas que cá nasceram. Penso eu.
- Mas qual é, na sua opinião, a grande lacuna que ainda existe na aldeia?
- É a casa mortuária, que é um bem para a terra. Mas as escolas também precisam de ser apoiadas ...
- E o sucesso que seria uma via rápida ...
- Sim ... mas o Dominguizo perderia este movimento, este contacto permanente com quem passa ... De algum modo, ficaria mais morto ... Por exemplo, no Tortosendo, a falta de grande parte da actividade económica que tinha, deu o que se sabe ...
- De quantos presidentes da Junta, aqui no Dominguizo, se lembra?
- De uns cinco ou seis ...
- O que é que não lhe perguntei e gostaria de dizer?
- Que fui massagista durante uns 25 anos e que a minha vida militar em África "foi um espectáculo" (de 1972 a 1975).Sempre benquisto dos meus comandantes. Em Moçambique. De 1972 a 1975. Tenho 64 anos e vivo no Dominguizo desde os 18, sem nunca ter esquecido África. Fui um "militar do caraças!..."
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