by Ponto Final |
A académica Teresa Vong considera que a geração nascida nos últimos 20 anos em Macau está a ser desincentivada de envolver-se na política pelos mais velhos, que temem a agitação social.
Em declarações à Lusa, a directora do Centro de Pesquisa Educacional da Universidade de Macau considera que a sociedade local está a afastar da política os mais novos, procurando uma harmonização social que não seja questionada.
Os mais novos “estão a ser harmonizados, tocam todos a mesma música", diz, referindo-se à maioria dos adolescentes de Macau.
"Não vão às manifestações porque os pais e os professores dizem ‘Vais ser um agitador'. Na verdade, têm o direito de expressar as suas opiniões através de protestos, é um direito que a Lei Básica lhes confere”, mas “estamos a prepará-los para não se envolverem na política", lamenta.
Ainda assim, Teresa Vong reconhece que os jovens de Macau compreendem e valorizam as liberdades que aqui gozam, em comparação com a China Continental, principalmente por serem frequentemente confrontados com essa diferença.
"Há uma experiência muito imediata. Quando vão a Zhuhai não podem usar Facebook. Sentem que aqui o ar é mais limpo, sabem pelas notícias que alguém foi preso por ter dito alguma coisa contra o Governo. Nisso acho que fazem uma avaliação justa", comenta.
Apesar desta consciência, a académica manifesta-se "muito preocupada" com o que diz ser uma a falta de motivação generalizada da geração pós-RAEM, nascida num território próspero, com uma das mais baixas taxas de desemprego do mundo, 1,7 por cento, segundo os dados mais recentes.
É uma geração “muito mimada porque não tem de competir. A maioria são filhos únicos a quem os pais dão tudo", aponta.
Não se trata apenas de falta de competição no mercado laboral - onde há uma constante procura por mão-de-obra - mas também no acesso ao ensino superior, já que tanto as universidades locais como as mais prestigiadas universidades da China têm quotas para os alunos de Macau.
"Os nossos estudantes têm baixa motivação para estudar", lamenta.
Esta é também uma geração sem grande consciência do passado histórico de Macau, diz Teresa Vong.
"Os pais têm alguma experiência do tempo colonial, mas não transmitem isso porque depois da transferência o Governo da China tentou fazer uma ‘sinização' e sentimos mais a presença da China", explica.
Os jovens reconhecem certos traços típicos de Macau, como a gastronomia ou o património edificado - ambos com forte influência portuguesa - mas não os atribuem especificamente a Portugal.
"Para eles são características de Macau, não há um eco imediato do tempo colonial porque não têm essa experiência. A identidade de Macau é agora mais um conjunto, que inclui a herança portuguesa e as tradições e crenças chinesas", conclui.
Para o jurista e investigador Arnaldo Gonçalves, ainda não estão reunidas as condições para que Macau tenha um regime democrático pois essa não é uma prioridade entre a população.
“Macau não está preparado para a democracia porque o conjunto das pessoas que forma a comunidade ainda não sentiu que essa é uma questão essencial das suas vidas e que devem lutar por ela. Enquanto não sentirem que essa é ‘a’ questão das suas vidas, então não há condições para uma transição democrática”, defendeu ontem Arnaldo Gonçalves à margem da apresentação do seu último livro “Norberto Bobbio – A Tradição Europeia da Liberdade”.
No entanto, o autor não deixou de salientar que discorda da ideia de que a população não está preparada para viver em democracia.
“O que têm os cidadãos de Macau para serem menos do que os de europeus, americanos ou de Taiwan e Singapura – e estou a falar de dois lugares do mundo de maioria etnicamente chinesa – para viverem em democracia?”, começa por questionar Arnaldo Gonçalves. E prossegue: “É um argumento demagógico achar-se que há uma incapacidade e uma ineptidão natural da comunidade de Macau para viver em democracia.”
Aliás, Gonçalves acredita que no futuro “as pessoas vão ter essa possibilidade” apesar de até agora não terem exercido esse direito de auto-determinação enquanto colónias. No entanto, Arnaldo Gonçalves assinala que “o modelo de governação de Macau está dependente da articulação do segundo sistema com o que vigora na República Popular da China”. Por isso, “enquanto os parceiros dessa articulação – Macau e Pequim – não mudarem os termos desse contrato, essa situação não se pode modificar”.
O ensaio que Arnaldo Gonçalves lançou na Fundação Rui Cunha é uma homenagem ao filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004) feita no âmbito da sua tese de mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais. Arnaldo Gonçalves escolheu-o porque o intelectual “viveu sob ditadura e lutou contra ela”, como os portugueses e também porque “sonhou que todas as utopias seriam realizáveis com o advento da democracia em Itália”, mas apesar disso nunca se deixou “encantar pelo canto mavioso dos marxistas”.
“Ele soube que em Marx havia essa armadilha totalitária por baixo da retórica da igualdade maximizada e por isso preferiu a democracia possível e realizável em sociedades imperfeitas.”
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