domingo, 7 de dezembro de 2014

"Quarto de despejo" - Diário de uma favelada (17/11)1955

De Carolina Maria de Jesus

"... A I. e a G. estão começando a se prostituir. Com os jovens de 16 anos. É uma folia. Mais de 20 homens atrás delas.

Tem um mocinho que mora na Rua do Porto. É amarelo e magro. Parece um esqueleto ambulante. A mãe lhe obriga a ficar só na cama, porque êle é doente e cança atôa. Êle sai com a mãe só para pedir esmola, porque o seu aspecto comove.

Aquele filho amarelo é o seu ganha pão.

Mas até êle anda atrás da I. e da C. Apareceu tantos jovens de 15 e 16 anos aqui na favela, que vou dar parte às autoridades.

... Vi as moças da fabrica de Doces, tão limpinhas. A I. e a C. podiam trabalhar. Ainda não tem 18 anos. São infelizes que iniciam a vida no lôdo.

... Hoje eu estou triste. Deus devia dar uma alma alegre para o poeta.

... A Pitita saiu correndo e o seu espôso atrás. As crianças olham estas cenas com deleite. A Pitita estava semi-nua. E as partes que a mulher deve ocultar estava visível. Ela correu, parou e pegou uma pedra. Jogou no Joaquim. Êle correu, parou e pegou na parede, por cima da cabeça da Teresinha. Pensei: esta nasceu de novo!

A Francisca começou dizendo que o Joaquim não prestava. Que é homem só para fazer filho (...) A Leila gritou que a Pitita estava brigando com o Joaquim porque êle está dormindo com a I.

A I. está sendo disputada na favela. Ela abandonou o espôso. (...) A Leila numa briga é como a gasolina no fogo. Ela instiga e substitui a aranha com a sua teia.

... Quando a Pitita briga, todos saem para ver. É um espetáculo pornografico. (...) As crianças começaram a falar que a Pitita havia erguido o vestido. Eu vim para dentro de casa. Eu já estava deitada e ouvia a voz da Pitita.

A tarde na favela foi de amargar. E assim as crianças ficaram sabendo que os homens fazem ... com as mulheres.

Estas coisas êles não olvidam. Tenho dó destas crianças que vivem no Quarto de Despejo mais imundo que há no mundo."





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