sábado, 18 de abril de 2015

Colaboração externa (49) - Panteão

         Com a devida vénia, reencaminhado por mão amiga, aí vai prosa alheia - porque, no caso, 
                                me parece de todos os que frequentam o ar livre do jardim

                                                       BEM-HAJAM! Autor e remetente/amigo.




biscates

As sociedades necessitam de símbolos para representarem os seus valores. A arquitectura, a estatuária, a pintura, a arte em geral também cumprem esse papel de dar forma e local de culto ao que uma sociedade considera ser a sua essência, aquilo que pode ser designado pela sua alma.

Em África, por exemplo, certas culturas têm as suas árvores sagradas. Na Guiné, na Senegâmbia, chamam-lhes Irã. É ali que repousam os espíritos dos antepassados e ali que eles podem ser chamados a pronunciar-se sobre o presente e a transmitir aos atuais a sabedoria que recolheram da vida, a aconselhar, a julgar.

Os panteões começaram por ser os locais de reunião dos vários deuses de uma dada região e de uma dada cultura, ou civilização. Foram um primeiro passo para o monoteísmo. Ali se reuniam todos os veneráveis, num único lugar. Diferiam dos templos porque, ao contrário destes, não tinham altar, não eram lugar de sacrifício, nem de oferendas, apenas de veneração, de unanimidade sobre um certo modo de viver, que aqueles seres divinizados representavam.

Os modernos panteões retomaram esse espirito numa vertente laica e republicana. Pretenderam reunir aqueles que uma dada nação considerava como os seus faróis, aqueles que foram orientando a sociedade e dotando-a de uma identidade. Aqueles que foram capazes de decantar a essência do seu povo.

A ideia de reunir esses símbolos é em si mesmo louvável. Mas é necessário deixar que o tempo faça o seu trabalho, limpando o efémero. É necessário envelhecer bem para merecer o Panteão. Um panteão não é uma caderneta de cromos com os bonecos dos futebolistas que jogaram nesse anos na primeira divisão.

Vem isto a propósito da nova moda dos panteonáveis. Tenho a minha opinião sobre os que lá estão, os da primeira vaga e os da segunda, mas não é sobre um referendo a propósito de inclusões ou exclusões que me parece saudável discutir, mas sobre o conceito de “ir para o panteão”. O ir para o panteão, já, como se ouviu após a morte de Eusébio e agora com a morte de Manuel de Oliveira é o correspondente ao sanctus súbitoda Igreja Católica, que deu por vezes péssimos exemplares de santos. O outro perigo é o de transformar o Panteão numa montra dos famosos da época, de amigos de um dado regime. Ou num local da moda. Num cemitério de personalidades – um PéreLachaise no Campo de Santa Clara, na antiga igreja de Santa Engrácia- em vez de ser uma fonte, uma árvore numa floresta sagrada.

É evidente que todas as personalidades ultimamente panteonadas são ilustres, a questão não é essa, é a de a sociedade portuguesa entender que o Panteão passou a ser o jazigo dos ilustres. Isto é, se o Panteão português passou a ter outra finalidade. É que, se o Panteão passou a ser o cemitério do PéreLachaise de Portugal convém desimpedir o campo à volta de modo a albergar a vaga de famosos que mais cedo ou mais tarde falecerão e que terão tanto direito como outros a ali figurar, lembro, sem nenhum desejo de lhes apressar o fim, longe vá o agoiro, atletas como Carlos Lopes, Rosa Mota, Joaquim Agostinho, atores e actrizes como Rui de Carvalho, ou Eunice Munõz, ou Maria de Medeiros, filósofos como Eduardo Lourenço, músicos como Chaínho, pintores como Pomar, escritores como Agustina e pergunto onde estarão, entre outros, o Zeca Afonso, ou Agostinho da Silva, ou Saramago, ou Eugénio de Andrade, ou Natália Correia, ou Amadeo de Souza Cardoso, administradores como Azeredo Perdição, ou engenheiros de grandes obras como Edgar Cardoso, enfim a lista podia continuar com os acrescentos e exclusões de cada um, se a ideia for panteonar os nossos ilustres concidadãos e não aqueles que dirão aos nossos descendentes onde devem lançar a âncora, aqui e não ali, as boas épocas para viajar, ou de ficar em casa, as de correr ou as de andar, as de lutar ou as de negociar…

No romance Para Sempre, Vergílio Ferreira (aí está outro panteonável) coloca vários escritores de várias épocas a comentarem as vicissitudes de história numa imaginária biblioteca. Eu vejo o Panteão como a biblioteca do Para Sempre, com os ilustres que lá se encontram a reflectirem sobre Portugal, sobre os portugueses, sobre o que somos, sobre o nosso futuro e a deixarem-nos ouvi-los. Eu, por exemplo, de todos os ilustres lá imortalizados, o que me parece ter dado a melhor resposta às perguntas que eu lhe faria sobre o que de mais importante devíamos fazer para vivermos melhor e sermos melhores, sobre a causa da nossa pobre situação foi João de Deus: aprendam a ler! E deixou-nos uma cartilha! Inteligente e eficaz. Um caso raro.

Para já, o que oiço dos que andam cá por fora é: coitado, lá vai mais um para o panteão. Ou a nova versão da frase de Almeida Garrett: Foge cão que te mandam para o panteão! O que não honra o Panteão, nem quem lá está, nem quem lá deverá estar…

O populismo é sempre mau conselheiro e, como diz o povo, cadelas apressadas parem cães cegos. Ainda corremos o risco de lá irem parar o Alves dos Reis e o Ricardo Espírito Santo, os maiores fazedores de dinheiro falso…

Carlos de Matos Gomes

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