sábado, 6 de junho de 2015

A pergunta era (é): pode a Humanidade, alguma vez, vir a respirar paz? De algum modo, a "resposta" chega do Brasil:


A paz conquistada pela guerra

Postado por Juremir em 28 de Dezembro de 2011 Cotidiano
Sempre que nos falam da palavra paz é porque estamos em guerra.
Sempre estamos em guerra.
Mesmo que os Estados Unidos tenham saído do Iraque neste final de ano.
Talvez nunca tenha havido paz na história da humanidade.
A vida é um campo de lutas.
Pinturas de E.A.
Nossas actividades diárias são marcadas por um vocabulário bélico deliberadamente propagado: estratégia, agressividade, ataque, conquistar mercados, ganhar terreno, avançar, competir, marcar posição, não perder boas trincheiras, batalhar, combater, ir à luta, enfrentar o leão, tomar de assalto, patrolar o oponente.
Pensamos por meio de metáforas guerreiras. A idéia de combate suplantou a de colaboração. Trabalhadores, formemos nossos batalhões para vencer na vida, subir no emprego e saquear os centros comerciais.
Existem guerras declaradas e guerras cotidianas que não precisam ser oficializadas para matar mais.
A contabilidade dos mortos da violência urbana bate, facilmente, os números de perdas da maioria das guerras atuais. A guerra dos Estados Unidos contra o Iraque tornou-se mais forte depois de, oficialmente, encerrada.
A resistência operou nas margens do sistema. A “guerra civil” no Rio de Janeiro já faz parte da paisagem tropical da “cidade maravilhosa” como um arranhão no cartão-postal ou como uma tarde de turismo numa favela. Atualmente, com a ocupação militar de alguns morros, vende-se a ideia de pacificação e de entendimento.
A tranquilidade carioca depende, paradoxalmente, das Polícias Pacificadoras.
Nada escapa à sociedade de consumo. Pode-se vender até o perigo de morte.
O Brasil vende sua imagem no exterior para atrair turistas: praia, sol, mulher bonita, futebol, miséria, favelas e, quem sabe, violência e bala perdida. Turismo de aventura. Queremos paz no mundo.
Mas ainda não fizemos a lição de casa.
Ficamos impressionados com o “fanatismo” no Oriente Médio e quase não entendemos a razão de tanto ódio e de tanta chacina. Temos os nossos próprios métodos domésticos: tráfico de drogas, prisões abarrotadas, milhões de famintos, corrupção, desemprego e concentração de renda. A morte em doses homeopáticas (ou numa ilusão de minimalismo para brasileiro ver) consegue nos convencer de que ainda somos a nação “cordial” que nunca fomos.
Nossa guerra mostra os dentes todos os dias nas fotografias em tempo real da exclusão. A Palestina é aqui. O Haiti é aqui. O Iraque é aqui. O Brasil é aqui. Já somos os campes do orkut e quase do facebok, a sexta potência econômica, a sexta potência (ops!) no ranking da Fifa, uma das primeiras em mortes no trânsito e na guerra urbana .
Ainda precisamos fazer um pouco mais para alcançar a ponta inferior da tabela e ganhar o título de maior fosso globalizado entre ricos e pobres. Podemos, ao menos, comemorar: entre os grandes países, em extensão territorial, continuamos entre os mais desiguais, os mais ardilosos na concentração de renda e saber.
Só haverá paz quando não existir mais ninguém passando fome.
Pede-se paz aos “esquecidos de Deus” como se clama a um fumante que abandone o vício. Parece somente uma questão de força de vontade. A paz não virá sem uma profunda mudança nas regras do jogo.
Por enquanto, falando claro, pede-se aos excluídos que abandonem as armas e entrem nos trilhos.
A violência é um produto coletivo. Quem deseja paz deve trabalhar pela diminuição dos abismos que favorecem a violência empurrando gente para os exércitos da criminalidade. Basta entrar no Rio de Janeiro de carro, atravessando a Zona Norte até alcançar a dourada Zona Sul, para se ter certeza de que a paz é uma utopia.
Como esperar que uma população inteira de miseráveis, vivendo no avesso do mito, possa assinar um pacto de não agressão com uma minoria que lhe atravessa o corpo protegida por óculos escuros?
Os pobres deste mundo em guerra teriam direito ao ressentimento.
Como falar de paz enquanto os grandes do planeta se locupletam na impunidade dos senhores?
Como falar de paz enquanto for preciso atender primeiro os interesses dos banqueiros, com os seus juros de ficção científica e suas crises compartilhas com todos, e só depois os investimentos sociais?
Como falar de paz enquanto os bancos tiverem, em alguns países isenção de impostos, guardarem seus imensos lucros e dividirem apenas seus prejuízos mundialmente devastadores?
Como falar de paz enquanto muitos negros tiveram de entrar nas universidades graças a um sistema de discriminação positiva infelizmente necessário, embora contestado pela elitre, no Brasil da mestiçagem?
Como falar em paz enquanto os donos do mundo ganharem muito dinheiro vendendo armas?
Como falar em paz enquanto as classes abastadas precisarem comprar as drogas que consomem de fornecedores mantidos na ilegalidade e tolerados graças à corrupção e à impunidade?
Queremos homens de boa vontade que nos deixem em paz, embora não tenhamos a menor intenção de tirá-los do matadouro. A menor possibilidade de paz só virá quando sujarmos as mãos em defesa de uma redistribuição planetária de recursos e de oportunidades. Fora disso continuaremos a dizer a palavra paz em vão.
A guerra, pelo jeito, vai continuar.
Em todo caso, em 2012, queremos paz em nosso corações.
E no coração dos homens de boa vontade.

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